sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

poesia


POESIA

Uma antologia de poetas e sempre, por sua natureza uma obra incompleta e marcada pelo subjectivismo, preferências e discutível critério de quem a organiza.
Aceite este principio, mais vale tirar dele todas as vantagens e liberdades do que recusa-las em troca de menores benefícios para o leitor que não procure um texto erudito e pedagógico, mas so algumas paginas que goste de ler e de reler. Por isto, como em nenhuma outra, nesta assentara bem a chancela de incompleta e arbitraria.
Não queremos afirmar que as poesias aqui reunidas sejam, sem duvida, as melhores, nem que estejam aqui todos os grandes poetas da literatura portuguesa. Já fazemos uma afirmacao muito importante ao dizer que escolhemos algumas das melhores poesias de alguns dos maiores poetas. Dos antigos, que o arcaísmo da expressão mais distancia do leitor de hoje, transcrevemos apenas uma outra poesia ou breves trechos escolhidos a laia de prefacio e exemplo da raiz lírica dos grandes mestres que se lhes seguem. Sem intento de incluir representantes de todas as épocas e géneros, saltamos do século XVI para o século XIX, com a leveza que ao diante se vera, o que não e afirmar que no tempo interdiante se vera, o que não e afirmar que no tempo intermédio não tenha havido grandes poetas e que so nos tempos modernos os tenha tornado a haver. O leitor curioso pode recorrer as antologias mais completas e bem ordenadas que por ai correm, corrigindo as nossas faltas, e dirá que nestas paginas houve a intencao de so dar grande lugar aos poetas modernos a par dos velhos mestres de quem o interesse e a licao viva nos pareceram mais renovados e permanentes ao longo das modas e dos tempos.

JOAO ROIZ DE CASTELO-BRANCO

De quem pouco se sabe, não precisou de deixar no concioneiro geral (1516) mais do que esta cantiga, para se celebrizar na historia da poesia portuguesa como um artista da forma e um verdadeiro poeta.

CANTIGA, PARTINDO-SE

Senhora, partem tam tristes
Meus olhos por vos, meu bem,
Que nunca tam trises vistes
Outros nenhuns por ninguém.

Tam trises, tam saudosos,
Tam doentes da partida,
Tam cansados, tam chorosos,
Da morte mais desejosos
Cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes,
Tam fora d’esperar bem,
Que nunca tam tristes vistes
Outros nenhuns por ninguém.

BERNADIM RIBEIRO

Nasceu por fins do século XV e estudou em Coimbra, onde se formou em leis. O sentimentalismo amoroso exarcebado, a subtil interpretacaio da paixão amorosa, a humanizacao da natureza, estão na sua obra em verso ou em rposa como características das mais constantes do nosso lirismo.

SEXTINA

Ontem pos-se o sol, e a noute
Cobriu de sombra esta terra,
Agora e já outro dia,
Tudo torna, torna o sol;
So foi a minha vontade
Para não tornar co’o tempo!

Todalas coisas, per tempo,
Passam, como dia e noute;
Ua so, minha vontade,
Não, que a dor comigo a aterra;
Nela cuido em quanto há sol,
Nela em quanto não há dia.

Mal quiero per um so dia
A todo outro dia e tempo,
Que a mim pos-se-me o sol
Onde eu so temia a noute;
Tenho a mim sobre a erra,
Debaixo minha vontade.

Dentro na minha vontade
Não há momento do dia
Que não seja tudo terra;
Ora ponho a culpa ao tempo,
Ora a torno a por a noute:
No milhor pon-se-me o sol!

Primeiro não haverá sol
Que eu descanse na vontade,
Pon-se-me ua escura noute
Sobre a lembrança de um dia…
Inda mal porque houve tempo
E porque tudo foi terra.
Haver de ser tudo terra
Quanto há debaxo do sol
Me descansa, porque o tempo
Me vingara da vontade;
Se não que antes deste dia
Há-de passar tanta noute!

CRISTOVAO FALCAO

Parece ter sido o autor da écloga crisfal,
Que alguns historiadores da literatura julgam
ser de Bernardim ribeiro, dadas as suas
grandes afinidades com aspectos principais
da obra do autor da menina e moca. «in dúbio pró reo.»

CRISFAL

Minhas lágrimas cansadas,
Sem descanso nem folgunca,
A minha trise lembrança
Vos tem tão aviventadas
Como morta a esperança.
Correi de toda vontade,
Que esta vos não faltara.
Mas isto como será?
Pedi-la-ei a saudade,
E a sasudade ma dará.

Todos os contentamentos
Da minha vida passaram,
E, em fim, não me ficaram
Senão descontentamentos
Que de mim se contaram.
Destes, pólo meu pecado
-inda que nunca pequei
a quem amo e amarei –
nunca desacompanhado
me vejo, nem me verei.

Faz-me esta desconfiança
Ver meu remédio tardar,
E já agora esperar
Não ousa minha esperança,
Por me mais não magoar.
Se por isso desmereço
De-se-me a culpa assim,
E seja já com a fim
-que há muito que me conheço
aborrecido de mim.

Vida de tam longos males
Como não cansas de ser!
Que eu canso já de viver,
E o eco destes vales
Cansa de me responder.
As ribeiras, em eu ve-las,
Correm mais do que e seu foro,
Entrando meu chrar nelas;
E, pois ajudam meu choro,
Quero so falar com elas.

LUIS DE CAMOES

Frequentou estudos superiores em Coimbra e teve uma vida boémia e agitada, de que algumas coisas se sabem e muitas se ignoram. Foi soldado em africa e exerceu cargos públicos no oriente, onde as complicacoes e aventuras da sua vida continuaram. Sabe-se que andou por Goa, pelo golfo pérsico, por ternate, pela china e pela costa da cochinchina, onde naufragou, conseguindo salvar a nado o manuscrito de os lusíadas. Regressou a Lisboa em 1569 e três anos depois de publicar os lusíadas morreu na miséria.
O ideal clássico, harmonia e medida, equilíbrio duma personalidade que nada perturba, esta em camões conseguido no mais alto grau. Onde os seus versos nos parecem mais fáceis e naturais, ai se revela o grande artistae profundo conhecedor da língua e da técnica métrica e rítmica, o honesto estudo com larga experiência misturado, como o poeta diz.
A profundiade e a sinceridade do seu sentimento poético fazem que não se desvie nunca para formalismos frios e artificiasis, habilidades e jogos sem sentido.
Foi o aventureiro, o soldado, o amante apaixonado, o boémio de fraca e forte espada, mas foi também o homem culto que aproveitou essa experiência e em cuja obra se reflectem, com superior consciência, todos os problemas e ideias da sua época.
Alem de ser o épico genial de os lusíadas, e o maior dos nossos poetas líricos.

CANCAO

Vão as serenas aguas
Do  Mondego descendo,
E, mansamente, ate o mar não param;
Por onde as minhas magoas,
Pouco e pouco crescendo,
Para nunca acabar se começaram.
Ali se me mostraram,
Neste lugar ameno
Em que inda agora mouro,
Testa de neve e de ouro,
Riso brando e suave, olhar sereno,
Um gesto delicado,
Que sempre na alma me estará pintado.

Nesta florida terra,
Leda, fresca e serena,
Ledo e contente para mim vivia;
Em paz com minha guerra,
Glorioso co’a pena
Que de tão belos olhos procedia.
De um dia em outro dia
O esperar me enganava;
Tempo longo passei,
Com a vida folguei,
So porque em bem tamanho se empregava.
Mas que me presta já,
Que tão formosos olhos não os há?

Oh! Quem me ali dissera
Que de amor tão profundo
O fim pudesse ver eu alguma hora!
E quem cuidar pudera
Que houvesse ai no mundo
Apartar-me eu de vos, minha senhora!
Para que, desde agora,
Já perdida a esperança,
Visse o vão pensamento
Desfeito em um momento,
Sem me poder ficar mais que a lembrança,
Que sempre estará firme,
Ate no derradeiro despedir-me.
Mas a mor alegria
Que daqui levar posso
E com que defender-me triste espero
E que nunca sentia,
No tempo que fui vosso,
Quererdes-me vos quanto vos eu quero;
Porque o tormento fero
De vosso apartamento
Não vos dará tal pena
Como a que me condena,
Que mais sentirei vosso sentimento
Que o que a minha alma sente.
Morra eu, senhora, e ficai vos contente!

Tu, cancao, estarás
Agora acompanhado
Por estes campos estas claras aguas,
E por mim ficaras
Com choro suspirando,
Por que, ao mundo dizendo tantas magoas,
Como uma alrga historia
Minhas lágrimas fiquem por memoria.

SONETO

Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de magoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada.

Ela so, quando amena e marchetada
Saia, dando ao mundo claridade,
Viu aparar-se de fia outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.

Ela so viu as lágrimas em fio,
Que duns e doutros olhos derivadas,
Se acrescentaram em grande e largo rio;

Ela viu as palavras magoadas,
Que puderam tornar o fogo frio
E dar descanso as almas condenadas.

SONETO

Alma minha gentil, que te partise
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa la no céu eternamente
E viva eu ca na terra sempre triste.

Se la no assento etéreo, onde subsiste,
Memoria desta vida se consente,
Não te esqeucas daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode mereecer-te
Algua cousa a dor que me ficou
Da magoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de ca me elve a ver-te
Quão cedo de meus olhos te levou.

SONETO

Erros meus, ma fortuna, amor ardente
Em minha perdicao se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava o amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa que a fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos…
Oh! Quem tanto pudesse que fartasse
Este meu duro génio de vinganças!

ENDECHAS A BARBARA

Aquela cativa,
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que para meus olhos
Fosse mais formosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas,
Me parecem belas
Como os meus amores:
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar;

Ua graça viva,
Que neles lhe mora,
Para ser senhra
De quem e cativa;
Preos so cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de amor!
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas barbara não.

Presença serena,
Que a tormenta amansa:
Nela enfim descnasa
Toda a minha pena.
Esta e a cativa
Que me em cativo;
E, pois nela vivo,
E forca que viva.

CANCAO

Vinde ca, meu tão certo secretario
Dos queixumes que sempre ando fazendo,
Papel, com quem a pena desafogo!
As sem razoes digamos que, vivendo,
Me faz o inexorável e contrario
Destino, surdo a lágrimas e a rogo.
Lancemos agua pouca em muito fogo;
Acenda-se com gritos um tormento
Que a todas as memorias seja estranho.
Digamos mal tamanho
A deus, ao mundo, a gente e, enfim, ao vento,
A quem já muitas vezes o contei,
Tanto debalde como o conto agora;
Mas, já que para errores fui nascido,
Vir este a ser um deles não duvido.
E, pois já de acertar estou tão fora,
Não me culpem também se nisto errei.
Sequer este refugio so terei:
Falar e errar, sem culpa, livremente.
Triste qeum de tão pouco esta contente!
Já me desenganei que de queixar-me
Não se alcança remédio: mas quem pena
Forcado lhe e gritar, se a dor e grande.
Gritearei; mas e débil e pequena
A voz para poder desabafar-me,
Por que nem com gritar a dor se abrande.
Quem me dará, sequer, que fora mande
lágrimas e suspiros infinitos,
igiausis ao mal que dentro na alma mora?
Mas quem pode alguma hora
Medir o mal com lágrimas ou gritos?
Direi, enfim, aquilo que me ensinam
A ira e magoa, e delas a lembrança,
Que outra dor e por si mais dura e firme.
Chegai, desesperados, para ouvir-me,
E fujam os que vivem de esperança
Ou aqueles que nela se imaginam,
Porque amor e fortuna determinam
De lhes deixar poder para entenderem,
A medida dos males que tiverem.

Quando vim da materna sepultura
De novo ao mundo, logo me fizeram
Estrelas infelices obrigado;
Com er livre alvedrio, mo não deram,
Que eu conheci mil vezes na ventura
O melhor, e o pior segui, forcado.
E, apra que o tormento conformado
Me dessem do’a idade, quando abrisse,
Inda menino, os olhos, brandamente,
Mandam que, diligente,
Um menino sem olhos me ferisse.
As lágrimas da infância já manavam
Com uma saudade namorada;
O som dos gritos que no berço dava,
Já como de suspiros me soava.
Co’a idade o fado estava concerado;
Porque, quando, por acaso, me embalavam,
Se de amor tristes versos me cantavam,
Logo me adormecia a natureza,
Que tão conforme estava a co’a tristeza.

Foi minha ama uma fera; que o destino
Não quis que mulher fosse a que tivesse
Tal nome para mim; nem a haveria.
Assim criado fui, pró que bebesse
O veneno amoroso, de menino,
Que na maior idade beberia,
E, por costume, não me mataria.
Logo então vi a image e semelhança
Daquela humana fera tão formosa,
Suave e venenosa,
Que me criou aos peitos da esperança;
De quem eu vi depois o original,
Que de todos os grandes desatinos
Faz a culpa soberba e soberana.
Parece-me que tinha forma humana,
Mas cintilava espíritos divinos.
Um meneio e presença tinha tal
Que se vangloriava todo o mal
Na vista dela; a sombra, co’a viveza,
Excedia o poder da natureza.

Que género tão novo de tormento
Teve amor, sem que fosse não somente
Provado em mim, mas todo executado!
Implacáveis durezas, que ao fervente
Desejo, que da forca ao pensamento,
Tinham de seu propósito abalado,
E corrido de ver-se e infjuriado:
Aqui, sombras fantásticas, trazidas
De algumas temerárias esperanças;
As bem-aventurancas
Também nelas pintadas e fingidas.
Mas a dor do desprezo recebido,
Que todo o fantasiar desatinava,
Estes enganos punha em desconcerto.
Aqui o adivinhar, e o ter por certo
Que era verdade quanto adivinhava,
E logo o desdizer-me, de corrido:
Dar as cousas que via outro sentido,
E para tudo, enfim, buscar razoes;
Mas eram muitas mais as sem-razoes.

Não sei como sabia estar roubando,
Co’os raios, as entranhas, que fugiam
Para ela pelos olhos, subtilmente!
Pouco a pouco, invisíveis me saiam,
Bem como do véu húmido exalando
Esta o subtil humor o sol ardente.
O gesto puro, enfim, e transparente,
Para quemf iça baixo e sem valia
Este nome de belo e de formoso;
O doce e piedoso
Mover de olhos, que as almas suspendia,
Foram as ervas magicas que o céu
Me fez beber; as quais, por longos anos,
Nouro ser me tiveram trnasformado,
E tão contente de me ver trocado
Que as magoas enganava co’os enganos;
E diante dos olhos punha o véu
Que me encobrisse o mal, que assim cresceu,
Como quem, com afagos se criava
Daquela para quem crescido estava.

Pois quem pode pintar a vida ausente,
Com um descontentar-me quando via,
E aquele estar tão longe de onde estava;
O falar sem saber o que dizia;
Andar sem ver porr onde, e juntamente
Suspirar sem saber que suspirava?
Pois quando aquele mal me atormentava,
E aquela dor que das tartáreas aguas
Saiu ao mundo, e mais que todas dói,
Que tantas vezes soi
Duras iras tornar em brandas magoas?
Agora, co’o furor da magoa irado,
Querer e não querer deixar de amar;
E mudar noutra parte, por vingança,
O desejo, privado de esperança,
Que tão mal se podia já mudar?
Agora a saudade do passado,
Tormento puro, doce e magoado,
Que converter fazia estes furores
Em goadas lágrimas de amores?
Que desculpas comigo so buscava,
Qundo o suave amor me não sofria
Culpa na cousa amada, e tão amada!
Eram, enfim, remédios que fingia
O medo do tormento, que ensinava
A vida a sustentar-se de enganada.
Niso uma parte dela foi passada,
Na qual, se tive algum conentamento
Breve, imperfeito, tímido, inocente,
Não foi senão semente
Dum comprido, amaríssimo tormento,
Este curso contino de tristeza,
Estes passos vãmente derramados,
Me foram apagando o ardente gosto,
Que tão de siso na alma tinha poso,
Daqueles pensamentos namorados
Com que criei a tenra natureza,
Que, do longo costume da aspereza,
Conra quem forca humana não resiste,
Se converteu no gosto de ser triste.

Desta arte a vida em outra fui trocando;
Eu não, mas o destino fero, irado,
Que eu inda assim, por outra a não trocara.
Fez-me deixar o pátrio ninho amado,
Passando o longo mar, que ameaçando
Tantas vezes me esteve a vida cara.
Agora experimentando a fúria rara
De Marte, que nos olhos quis que logo vissee e tocasse o acerbo fruto seu
( e neste escudo meu
a pintura verão do infesto fogo);
agora peregrino, vago, errante,
vendo nacoes, linguagens e costumes,
céus vários, qualidades diferentes,
so por seguir com passos diligentes
a ti, fortuna injusta, que consumes
as idades, levando-lhes diante
uam esperança em vista de diamante,
mas, quando das mãos cai, se conece
que e frágil vidro aquilo que aparece.

A piedade humana me faltava,
A gente amiga já contraria via,
No perigo primeiro; e no segundo,
Terra em que por os pés me falecia,
Ar para respirar se me negava,
E faltava-me, enfim, o tempo e o mundo.
Que segredo tão árduo e tão profundo:
Nascer para viver, e para a vida
Faltar-me qaunto o mundo tem para ela!
E não poder perde-la,
Estando tantas vezes já perdida!
Enfim, não houve trance de fortuna,
Nem perigos, nem casos duvidosos,
Injustiças daqueles que o confuso
Regimento do mundo, antigo abuso,
Faz sobre os outros homens poderosos,
Que eu não passasse, atado a fiel coluna
do sofriment meu, que a importuna
Perseguicao de males em pedaços
Mil vezes fez, a forca de seus braços.

Não conto tanto os males como aquele
Que, depois da tormenta procelosa,
Os casos dela conta em porto ledo;
Que inda agora a fortuna flutuossa
A tamanhas misérias me compele
Que de dar um so passo tenho medo
Já de mal que me venha não me arredo,
Nem bem que me faleça já pretendo,
Que para mim não vale astúcias humana;
Da forca soberana
Da providencia, enfim, divina pendo.
Isto que cuido e vejo, as vezes tomo
Para consolacao de tantos danos.
Mas a fraqueza humana, quando lança
Os olhos no que corre, e não alcança
Senão memoria dos passados abnos,
As aguas que então bebo e o pão que como
Lágrimas tristes são, que eu nunca domo,
Senão com fabricar na fantasia
Fantásticas pinturas de alegria.

Que, se possível fosse que tornasse
O tempo para trás, como a memoria,
Por os vestígios da primeira idade,
E, de novo tecendo a antiga historia
De meus doces errores, me levasse
Por as flores que vi da mocidade;
E a lembrança da longa saudade
Então fosse maior contentamento,
Vendo a conversacao leda e suave
Onde uma e outra chave
Esteve de meu novo pensamento,
Os campos, as passadas, os sinais,
A vista, a neve, a rosa, a formusora,
A graça, a mansidão, a cortesia,
A singela amizade, que desvia
Toda a baixa tencao, terrena, impura,
Como a qual outra alguma não vi mais…
Ah! Vas memorias! Onde me levais
O débil coracao, que inda não posso
Domar bem este vão desejo vosso?

Não mais, cancao, não mais; que irei falando,
Sem o sentir, mil anos. E se acaso
Te culparem de larga e depesada,
Não pode ser, lhe dize, limitada
A agua do mar em tão pequeno vaso.
Nem eu delicadezas vou cantando
Co’o gosto do louvor, mas explicando
Puras verdades já por mim passadas.
Oxalá foram fabulas sonhadas!

FRANCISCO RODRIGUES LOBO

Formou-se em direito, em Coimbra, tendo cultivado vários géneros literários, tais com a novela, o «romance» em verso, o poema épico, a epistologia, etc. principalmene nas composicoes em verso, atingiu uma alta perfeicao de forma, numa sabia conjugacao da frase de sabor popular com a de estilo culto, que leh dão um lugar de mestre pintor da natureza e de artisa da xpressao literária.

CANTIGA

Descalça vai para a fonte
Leanor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.

A talha leva pedrada,
Pucarinho de feicao,
Saia de cor de limão,
Beailha soqueixada;
Cantando de madrugada
Pisa as flores na verdura:
Vai fermosa, e não segura.

Leva na mão a rodilha
Feita da sua oalha,
Com uma sustenta a talha,
Ergue com outra a fraldilha;
Mosra os pés por maravilha,
Que a neve deixam escura:
Vai fermosa, e não segura.

As flores por onde passa,
Se o pe lhe acerta de por,
Ficam de inveja sem cor
E de vergonha com graça;
Qualquer pegada que faca
Faz lorescer a verdura:
Vai fermosa, enao segura.

Não na ver o sol lhe val
Por não ter novo inimigo,
Mas ela corre perigo
Se na fonte se ve tal;
Descuidada deste mal
Se vai ver na fonte pura:
Vai fermosa, e não segura.

MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE

Nasceu em setubbal e andou pelo oriente, como camões, com quem cotejou a sua vida e desgraças. A época em que viveu não lhe foi propicia a realizacao de uma obra isenta dum verbalismo convencional e retórico, que hoje nos soa falso e risível.
Apesar de tudo, os seus sonetos são duma perfeicao formal que so alguns grandes poetas alcançaram.

Já sobre o coche de ébano estrelado
Deu meio giro a noie escura e feia;
Que profundo silencio me rodeia
Neste deserto bosque, a luz vedado!

Jaz entre as folhas zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, as trevas costumado.

So eu velo, so eu, pedindo a sorte
Que o fio, com que esta minha alma presa
A vil matéria lânguida, me corte.

Consola-me este horror, esta triseza,
Porque a meus olhos se afigura a morte
No silencio total da natureza.

Triste qeum ama, cego quem se fia
Da feminina voz na va promessa!
Aspira a ve-la estável! Mais depressa
O facho apagara, que espalha o dia.

Alada exalacao, que na sombria,
Tacita noite os ares atravessa,
Foi comigo a paixão volúvel dessa,
Que o peito me afagava, e me feria.

Do desengano o bálsamo lhe aplico,
E a teus laços, amor, sem medo exponho
Dos benficos céus o dom mais rico.

Vejo mil circes plácido, risonho;
E se fe me prometem, ouço, e fico
Como quem despertou de aéreo sonho.

Fiei-me nos sorrisos da ventura,
Em mimos feminis, como fui louco!
Vi raiar o prazer, porem, tão pouco
Momentâneo relâmpago não dura:

No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo húmido, e oco,
Pareço, ate no tom lúgubre, e rouco,
Triste sobra a carpir na sepultura.

Que estancia para mim tão própria e esta!
Causais-me um doce e fúnebre transporte,
Áridos matos, lobrega floresta!

Ah! Não me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidão, e a morte.

Meu ser evaporei na lida insana
Do ropel das paixões que me arrastava,
Ah! Cego eu cria, ah! Mísero eu sonhava
Em mim, quase imortal, a essência humana!

De que inúmeros sois a mente ufana
A existência falaz me não doirava!
Mas eis sucumbe a natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.

Prazeres, sócios meus e meus tiranos,
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus… o grande deus! Quando a morte a luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube!

ANTERO DE QUENTAL

Em Coimbra se bracharelou em direito, e ai o seu talento e o vigor da sua inteligência o tornaram o mestre e mentor de grupo de homens notáveis com quem conviveu. Eça de queirós chamou-lhe: «um génio que era um santo.»
A inquietacao metafísica e a vontade de uma accao social teórico, a quem uma constante duvida anulava a continuidade necessária. «a natureza em mim e conservadora, so o espírito e que e revolucionário.» Antero oscila entre o ideal de uma grande fe nos homens e o desalento perante um mundo absurdo. Mas logo a sua consciência se revolta e ergue a bandeira de uma nova filosofia.
Se o ideologia filosófica e social não pode ser separada da obra poética de Antero, podemos, no entanto, dizer que não e o pensador que hoje se nos impõe, mas so o poeta de génio.

DESPONDENCY

Deixa-la ir, a ave, a qeum roubaram
Ninho e ilhós e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…

Deixa-la ir, a vela que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do sul se levantaram….

Deixa-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fe e paz e confianca,
A morte queda, a morte silenciosa…

Deixa-la ir, a nota desprendida
Dum canto extremo… e a ultima esperança…
E a vida… e o amor… deixa-la ir, a vida!

AMARITUDO

So por ti, astro ainda e sempre oculto,
Sombra do amor e sonho da verdade,
Divago eu pelo mundo e em ansiedade
Meu próprio coracao em mim sepulto.

De templo em templo, em vão, levo o meu culto,
Levo as flores duma intima piedade.
Vejo os votos da minha mocidade
Receberem somente escárnio e insulto.

A beira do caminho me assentei…
Escutarei passar o agreste vento,
Exclamado: assim passe quanto amei!

O minha alma, que creste na virtude!
O que será velhice e desalento,
Se isto se chama aurora a juventude?

SEPULTURA ROMANTICA

Ali, onde o mar quebra, num cachão
Rugidor e monótono, e os ventos
Erguem pelo areal os seus lamentos,
Ali se há-de enterrar meu coracao.

Queimem-no os sois da dusta solidão
Na fornalha do estio, em dias lentos;
Depois, no Inverno, so sopros violentos
Lhe revolvam em torno o árido chão…

Ate que se desfaça e, já tornado
Em impalpável po, seja levado
Nos turbilhões que o vento levantar…

Com suas lutas, seu cansado anseio,
Seu louco amor, dissolva-se no seio
Desse infecundo, desse amargo mar!


TORMENTO DO IDEAL

Conheci a beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, ve tudo, a maior nau ou torre.

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre:
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao por do sol e sobre o mar discorre.

Pedindo a forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço, em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeicao de quanto existe.

Recebi o baptismo dos poetas,
E, assentado entre as formas incompletas,
Para sempre fiquei pálido e triste.

NOCTURNO

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu so entendes bem o meu tormento…

Como um canto longiquo – triste e lento –
Que voga subtilmente se insinua,
Sobre o meu coracao, que tumultua,
Tu vertes pouco a pouco o esquecimento…

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de ideal, que me consome,
Tu so, génio da noite, e mais ninguém!

A VIRGEM SANTISSIMA

Num sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizível ansiedade,
E que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza…

Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade…
Era outra luz, era outra suavidade,
Que ate nem sei se as há na natureza…

Um místico sofrer… uma ventura
Feita so do perdão, so de ternura
E da paz da nossa hora derradeira…

O visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa…
E deixa-me sonhar a vida inteira!

NA MAO DE DEUS

Na mão de deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coracao.
Do palácio encantado da ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do ideal e da paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lobrega jornada,
Que a mãe leva no colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto…
Dorme o teu sono, coracao liberto,
Dorme na mão de deus eternamente!

O CONVERTIDO

Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.

Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me rebate o coracao contrito!

Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para deus minha alma triste!

Amortalhei na fe o pensamento,
E achei a paz na inércia e esqeucimento…
So me falta saber se deus existe!

MORS-AMOR

Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,

Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?

Um cavaleiro de expressão potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,

Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz:«eu sou a morte!»
Responde o cavaleiro:«eu sou o amor!»

SOLEMNIA VERBA

Disse ao meu coracao: olha pró quantos
Caminhos vãos andamos! Considera
Agora, desta altura fria e austera,
Os ernos que regaram nossos prantos…

Po e cinzas, onde houve flor e encantos!
E noite, onde fui luz de primavera!
Olha a teus pés o mundo e desespera,
Semador de sombras e quebrantos! –

Porem o coracao, feito valente
Na escola da tortura repetida,
E no uso do penar tornado crente,

Respondeu: desta altura vejo o amor!
Viver não foi em vão, se e isto a vida,
Nem foi de mais o desengano e a dor.

GOMES LEAL

Levou uma vida de literato boémio, ate acabar na miséria. Colaborou em jornais, publicou poemas panfletários e satíricos, alcançando uma larga celebridade.
A originalidade de imagenes e de expressão, ligada a uma profunda forca emocional, dão-lhe um lugar de relevo entre os grandes líricos portugueses.

A SENHORA DUQEUSA DE BRABANTE

Tem um leque de plumas gloriosas
Na sua mão macia e cintilante,
De anéis de pedras finas preciosas
A senhora duquesa de brabante.

Numa cadeira de espaldar doirado,
Escuta os galanteios dos barões.
- e noite: e, sob o azul morno e calado,
concebem os jasmins e os coracoes.

Recorda o senhor bispo accoes passadas.
Falam damas de jóias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
A moda goda: - aos toques de clarins.

Mas a duqeusa e triste. – oculta magoa
Vela seu rosto de um solene véu.
- ao luar, sobre os tanques chora a agua…
- cantando, os rouxinóis lembram o céu…

o que e certo e que e pálida senhora,
a transcendente dama de brabante,
tem um filho horroroso… e de quem cora
o pai, no escuro, passeando errante.

E um filho horroroso e jamais visto! –
Raquítico, enfezado, excepcional,
Todo disforme, excêntrico, malquisto,
- pelos de fera, e uivos de animal!

Parece irmão dos cerdos e dos ursos,
Aborto e horror da brava natureza…
- em vão tentam barões, com mil discursos,
desenrugar a fronte da duqeusa.

Sempre a duqeusa e triste. – oculta magoa
Vela seu rosto de um solene véu.
- ao luar, sobre os tanques chora a agua…
- cantando, os rouxinóis lembram o céu…

ora o monstro morreu. – pelas arcadas
no palácio retinem festas, hinos.
Riem nobres, vilões, pelas estradas.
O próprio pai se ri, ouvindo os sinos…

Riem-se os monges pelo claustro antigo.
Riem vilões trigueiros das charruas.
Riem-se os padres, junto ao seu jazigo.
Riem-se nobres e peões nas ruas.

Riem aias, barões, erguendo os braços.
Riem, nos pátios, os truões também.
Passeia o duque, rindo, nos terraços.
- so chora o monstro, em alto choro, a mãe!...

so, sobre o esquife do disforme morto,
chora, sem trégua, a mísera mulher.
Chama os nomes mais ternos ao aborto…
- mesmo assim feio, a triste mãe o quer!

So ela chora pelo morto!... a magoa
Lhe arranca gritos que a ninguém mais deu!
- ao luar, sobre os tanques chora a agua…
- cantando, os rouxinóis lembram o céu…

MISERERE MI!...

Eis-me sentado e so, na rua da amargura,
Como um mendigo vil, de rota capa escura,
Sem ter pátria, nem lei.
Desci, mais do que Job, ao maleiro corruto.
- o pediosa mulher das trancas cor de luto,
misere mei!...

por teus olhos subtis, mais raros que as safiras,
as aras polui, fiz a batina em tiras,
minha estola rasguei.
Agora sou dagon, rei das dores insondáveis.
-o piedosa mulher dos olhos admiráveis,
misere mi!...

por teu amor, desci as trevas lacrimosas.
Por teu amor, vaguei nas ruínas leprosas.
Por ti uivei, chorei,
Nas gales, hospitais, na insónia, na demência.
- o piedosa mulher, senhora da clemência,
misere mei!...

como saul, cruzei as estradas devassas.
Nso cardos, nos tojais, nas alfurjas, nas praças,
Os farrapos larguei
Da minha alma sangrenta, estrelada em martírios.
- o piedosa mulher dos dedos cor dos lírios,
misere mei!...

por teu amor, desci as pávidas geenas
dos não ouvidos ais, das não ouvidas penas,
por ti, eu blasfemei.
Por ti eu me estorci nas palhas da enxovia…
- o piedosa mulher, flor da melancolia,
misere mei!...

bradam que te ofendi. – mas os teus olhos castos
mal conheceram como, as mãos postas, de rastos,
eu puli e escavei,
com meus prantos de sangue, as lapas dos retiros.
- o piedosa mulher, senhora dos suspiros,
misere mei!...

arrastei-me no po das solidões tisnadas.
No inferno das gales, nas insónias suadas,
De nostalgia, uivei,
Como o proscrito infeliz, nos grandes gelos russos.
- o piedosa mulher, senhora dos soluços,
misere mei!...

o suor empastou meus pávidos cabelos.
Junto ao leito febril, torvo de pesadelos,
Pai nem mãe encontrei!
So teu pranto sorvi, nas angustias agudas…
- o piedosa mulher, mãe das lágrimas mudas,
misere mei!...

agora, livre enfim dos ciclos da loucura,
já trnasportado os portais da babilónia escura,
mais orfao me encontrei.
Orfao, meu deus, de ti, dos teus ais, teus cuidados…
- o piedosa mulher, mãe dos abandonados,
misere mei!...

UMA CANCAO DE HILARIO

O vestido de noivado
Da rainha de kachmir
Era a diamantes bordado,
Como luar num terrado!...
Parecia o céu estrelado,
Ou a visão dum faquir
O vestido de noivado
Da rainha de kachmir.

Se e a via láctea, em suma,
Não há olhar que destrince!...
Nenhuma vista, nenhuma
Jurara se e neve ou pluma,
Se e leite, ou astro, ou espuma,
Nem o próprio olhar do lince…
Se e a via láctea, em suma,
Não há olhar que destrice!

Levava, nas mãos patrícias,
Leqye de rendas e sândalo…
Oh! Que mãozinhas… delicias
Para amimar com blandicias,
Para beijar com carícias,
Que adorariam um vândalo…
Levava, nas mãos patrícias,
Leque de rendas e sândalo.

Cor da lua, os sapatinhos
Eram mais subtis que o leque!...
Seu manto, púrpura e arminhos,
Não rojava nos caminhos,
Pois sua cauda, aos saltinhos,
Levava-a um núbio moleque.
Cor da lua, os sapatinhos
Era mais subtis que o leque!

Eis que, no meio da boda,
Entrou um moço estrangeiro…
Calou-se a alegria douda
Da grande assembleia, em roda!
E a brilhante sala toda.
Fitou o jovem romeiro.
Eis que, no meio da boda,
Entrou um moço estrangeiro…

Pegou no copo, com graça,
E brindou, em língua estranha…
E a rainha, a vista baca,
Como a um punhal que a trespassa,
Encheu de prantos a taça,
E o seu lenço de Bretanha…
Chorou baixo, ao ouvir, com graca,
Esse brinde, em língua estranha!

Encheu de pranto o vestido,
Encheu de pranto os anéis…
E, sem soltar um gemido,
Chorou, num pranto sumido,
O seu passado perdido,
Os seus amores tão fieis!...
Encheu de pranto o vestido,
Encheu de pranto os anéis.

Quem era o moço viajante
Que fez turbar a rainha?...
Era o seu primeiro amante,
Tão leal e tão constante,
Que, do seu reino distante,
Brindar ao passado vinha…
Tal era o moço viajante,
Que fez turbar a rainha.

Saudades de amor quebrado
Fazem lágrimas cair!
Por um brinde ao amor passado,
Ficou de pranto alagado
O vestido de noivado
Da rainha de kachmir.
Saudades de amor quebrado
Fazem lágrimas cair!

CESARIO VERDE

Uma visão da realidade, que, por tão nítida, transfigura a imagem vulgar, regressando-a a nitidez da origem e lhe da, ao mesmo tempo, o sentido da mais pura poesia, a aproximacao dos contrates, como uma iluminacao súbita do pormenor essencial, a naturalidade da expressão e a aparente frieza que são a consequência da sinceridade e do profundo sentimento da vida, dão a sua poesia uma verdade e uma originalidade raramente atingidas, tornando-o um dos grandes mestres da nossa literatura.

O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia,
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravassado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba,
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando a via férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista exposicoes, países:
Madrid, paris, Berlim, s. petersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificacoes somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me a cismar, por boqueiros, por becos,
Ou erro pelo cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixeis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta camões no mar, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinir de loucas e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
As portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio; apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vem sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recodam-se pilastras;
E algumas, a cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas do carvão,
Desde manha a noite, a bordo das fragaas;
E apinham-se num bairro aonda miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infeccao!

NOITE FECHADA

Toca-se as grades nas cadeias. Som
Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!
O aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças,
Bem raramente encerra uma mulher de «dom»!

E eu desconfio, ate, de um aneurisma
Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes;
A vista das prisões, da velha se, das cruzes,
Chora-me o coracao que se enche e que se abisma.

A espaços, iluminam-se os andares,
E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos;
Alastram em lençol os seus reflexos brancos;
E a lua lembra o circo e os jogos malabres.

Duas igrejas, num saudoso largo,
Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:
Nelas esfumo um torvo inquisidor severo,
Assim que pela historia eu me aventuro e alargo.

Na parte que abateu no terramoto,
Muram-me as construcoes rectas, iguais, crerscidas;
Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas,
E os sinos de um tanger monástico e devoto.

Mas, num recinto publico e vulgar,
Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras,
Brônzeo, monumental de proporcoes guerreiras,
Um épico de outrora ascende, num pilar!

E eu sonho o cólera, imagino a febre,
Nesta acumulacao de corpos enfezadods;
Sombrios e espectrais recolhem os soldados;
Inflama-se um palácio em face de um casebre.

Partem patrulhas de cavalaria
Dos arcos dos quartéis que foram já conventos;
Idade media! A pe, outras, a passos lentos,
Derramam-se por toda a capital, que esfria.

Triste cidade! Eu temo que me avives
Uma paixão defunta! Aos mapioes distantes,
Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes,
Curvadas a sorrir as montras dos ourives.

E mais: as costureiras, as floristas
Descem dos magasins, cusam-me sobressaltos;
Custas-lhes a elevar os seus pescoços altos
E muitas delas são comparsas ou coristas.

E eu, de luneta de uma lente so,
Eu acho sempre assunto a quadros revoltados:
Entro na brasseire; as mesas de emigrados,
Ao riso e a cruz luz joga-se o domino.

AO GAS

E saio. A noite pesa, esmaga. Nos
Passeios de lajedo arrastam-se as impuras.
O moles hospitais! Sai das embocaduras
Um sopro que arrepia os ombros quase nus.

Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso
Ver círios laterais, ver filas de capelas,
Com santos e fieis, andores, ramos, velas,
Em uma catedral de um comprimento imenso.

As burguesinhas do catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos;
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
As freiras que os jejuns matavam de histerismo.

Num cuteleiro, de avental ao torno,
Um forjador maneja um malho, rubramente;
E de uma padaria exala-se, inda quente,
Um cheiro salutar e honeso a pão no forno.

E eu que medito um livro que exacerbe,
Quisera que o real e a analise mo dessem;
Casas de confeccoes e modas resplandecem;
Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe.

Longas descidas! Não poder pintar
Com versos magistrais, salubres e sinceros,
A esguia difusão dos vossos reverberos,
E a vossa palidez romântica e lunar!

Que grande cobra, a lúbrica pessoa,
Que, espartilhada, escolhe uns xales com debuxo!
Sua excelência atrai, magnética, entre luxo,
Que ao longo dos balcões de mogno se amontoa.

E aquela velha, de bandos! Por vezes,
A sua traine imita um leque antigo, aberto,
Nas barras verticais, a duas tintas. Perto,
Escarvam, a vitoria, os seus meclemburgueses.

Desdobram-se tecidos estrangeiros;
Plantas ornamentais secam nos mostradores:
Flocos de pos de arroz paira sufocadores,
E em nuvens de cetins requebram-se os caixeiros.

Mas tudo cansa! Apagam-se nas frentes
Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco;
Da solidão regouga umcauteleiro rouco;
Tornam-se mausoléus as armacoes fulgentes.

«do da miséria!... compaixão de mim!...»
e, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,
pede-me sempre esmola um homenzinho idoso,
meu velho professor nas aulas de latim!

HORAS MORTAS

O tecto fundo de oxigénio, de ar,
Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras:
Vem lágrimas de luz dos astros com olheiras,
Enleva-me a quimera azul de transmigrar.

Por baixo, que portões! Que arruamentos!
Um parafuso cai nas lajes, as escuras,
Colocam-se taipais, rangem as fechaduras,
E os olhos dum caleche espantam-me, asangrentos.

E eu sigo, como as linhas de uma pauta
A dupla correnteza augusta das fachadas;
Pois sobem, no silencio, infaustas e trinadas,
As notas pastoris de uma longiqua flauta.

Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeicao das cousas!
Esqueço-me a prever castíssimas esposas,
Que aninhem em mansões de vidro transparente!

O nossos filhos! Que de sonhos ágeis,
Pousando, vos trarão a nitidez as vidas!
Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas,
Numas habitacoes translúcidas e frágeis.

Ah! Como a raça ruiva do porvir,
E as frotas dos avos, e os nómadas ardentes
Nos vamos explorar todos os continentes
E pelas vastidões aquáticas seguir!

Mas se vivemos, os emparedados,
Sem arvores, no vale escuro das muralhas!...
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir estrangulados.

E nestes nebulosos corredores
Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;
Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,
Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.

Eu não receio, todavia, os roubos;
Afastam-se a distancia, os dúbios caminhantes;
E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,
Amareladamente, os cães parecem lobos.

E os guardas, que revistam as escadas,
Caminham de lanterna e servem de chaveiros;
Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,
Tossem, fumando, sobre a pedra das sacadas.

E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A dor humana busca os amplos horizontes,
E tem mares de fel como um sinistro mar!

ANTONIO NOBRE

O poder de evocacao sentimental, numa atitude subjectiva e quase doentia, a revolta passiva contra a vida, o tom elegiaco mas contido numa linguagem simples, de monologo ou dialogo intimo, a doçura e a violência expressas com um vigor que lhe vem da liberdade de construcao do verso e duma perfeita adequacao aos temas, dão uma excepcional emocao e poder de comunicacao a este poeta, um dos grandes renovadores do nosso lirismo.

ANTONIO

Que noite de Inverno! Que frio, que frio!
Gelou meu carvão:
Mas boto-o a lareira, tal qual pelo estio,
Faz sol de verão!

O velha Carlota! Tivesse-te ao lado,
Contavas-me historias:
Assim… deseenterro, do val do passado,
As minhas memorias.

Moreno coveiro, tocando viola,
A rir e a cantar!
Empresta, bom homem, a tua sachola,
Eu quero cavar:

Erguei-vos, defuntas! Da tumba que alveja
Qual lua, a distancia!
Visões enterradas no adro da igreja
Branquinha, da infância.

La vem a Carlota que embala uma aurora
Nos braços , e diz:
«meu lindo menino, que nossa senhora
o faca feliz!»

e antónio crescendo, são zinho e perfeito,
feliz que vivia!
(e a dor, que morava com ele no peito,
com ele crescia…)

mas foi a uma festa, vestido de anjinho,
que fado cruel!
E a antónio calho-çlhe levar, coitadinho!
A esponja do fel…

A tia Delfina, velhinha tão pura,
Dormia a meu lado
E sempre rezava por minha ventura…
E sou desgraçado!

E eu ia as novenas, em tardes de Maio,
Pedir ao senhor:
E, ouvindo esses cantos, tremia em desmaio,
Mudava de cor!

E a mãe-madrinha, do tempo da guerra
A mail-os franceses,
Quando ia ao confesso, a ermida d serra,
Levava-me, as vezes.

Santinho como ia, santinho voltava;
Pecados? Nem um!
E a instancias do padre dizia (e chorava):
«não tenho nenhum…»

as noites, rezava (e rezo ainda agora)
ao pe da lareira,
(a chuva gemente caia la fora,
fervia a chaleira…)

-que deus se amercie das almas d inferno!
- ámen! Oxalá…
e o moço rosnava, transido de Inverno:
- que bom la esta!

O sino da igreja tocava, a tardinha;
Que tristes seus dobres!
Era a hora em que eu ia provar, a cozinha,
O caldo dos pobres…

O velhas criadas! Na roca fiando,
Nos lentos seroes:
Corujas piando, farrusca ladrando
Com medo aos ladroes!

O ze do telhado morara ali perto:
A riste viúva
A nossa casa ia pedir, era certo,
Em noites de chuva…

O feira das uvas! Em tardes de calma…
(o tempo voou!)
pediam-me os pobres «esmola pela alma
que deus lhe levou!»

e havia-os com gota, e havia-os herpéticos,
mostrando a gangrena!
E mais, e ceguinhos, mas era dos éticos
Que eu tinha mais pena…

Chegou uma carta tarjada: a estampilha
Bastou-me enxergar…
Coitados daqueles que perdem a filha,
Sobre aguas do mar!

O tardes de Outono, com fontes carpindo
Entre erva sedenta!
Os cravos a abrirem, a lua aspergindo
Luar, agua benta…

Ao dar meia-noite no cuco da sala,
Batiam:«truz-truz!»
E o avo que dormia, quietinho na vala,
Entrava, Jesus!

Nas sachas de Junho, ninguém se batia
Com nosso caseiro:
Que espanto, pudera! Se da freguesia
Ele era o coveiro…

Morria o mais velho dos nossos criados,
Que pena! Que do!
Pedi-lhe, tremendo, fizesse recados
A alminha da avo…

O banzas dos rios, gemendo descantes
E fados do mundo!
O aguas falantes! O rios andantes,
Com eiras no fundo!

Trepava as figueiras cheiinhas de figos
Como astros no céu:
E em baixo, aparando-os, erguiam mendigos
O roto chapéu…

O lua encantada no fundo do poço,
Moirinha da magoa!
O balde descia, quimeras de moço!
Trazia so agua.

Meus versos primeiros estão no adro, ainda,
Escritos na cal:
Cantavam aquela que e a rosa mais linda
Que tem Portugal!

A lua e ceifeira que, as noites, ensaia
Bailados na terra!
Luar e caleiroque, pálido, caia
Ermidas da serra…

O conde da lixa sabia o horácio,
Tintim por tintim!
E dava-me, a noite, passeando em palácio,
Licao de latim.

E entrei para a escola, meu deus! Quem me dera
Nessa hora da vida!
Usava uma blusa, que linda que era!
E tranca comprida…

Os outros rapazes furtavam os ninhos
Com ovos a abrir;
Mas eu mercava-lhes os bons passarinhos,
Deixava-os fugir…

Os presos, as grades da triste cadeia,
Olhavam-me em face!
E eu ia a pousada do guarda da aldeia
Pedir que os soltasse…

E quando um malvado moía a chibata
Um filho, ou assim,
Corria a seus braços, gritando:«não bata!
Bata antes em mim…»

E quando dobrava na terra algum sino
Pr velho, ou donzela,
A meu pai rogavam «deixasse o menino
Pegar a uma vela…»

Enterros de anjinhos! Oh dores que trazem
Aos tristes casais!
Há doces, há vinho, senhores que fazem
Saúdes aos pais…

A prima doidinha por montes andava,
A lua, em vigília!
Olhai-me, doutores! Há doidos, há lava,
Na minha família…

E os anos correram, e os anos cresceram,
Com eles cresci:
Os sonhos que tinha, meus sonhos… morreram,
So eu não morri…

Fui vendo que as almas não eram no mundo
Singelas e francas:
A minha, que o era, ficou num segundo
Cheiinha de brancas!

Fiuei pobrezinho, fiquei sem quimeras,
Tal qual Pedro-sem,
Que teve fragatas, que teve galeras,
Que teve e não tem…

Vieram as rugas, nevou-me o cabelo
Qual musgo na rocha…
Fiquei para sempre sequinho, amarelo,
Que nem uma tocha!

E a velha Carlota, revendo-me agora
Tão pálido, diz:
«meu pobre menino! Que nossa senhora
fez tão infeliz…»

DE «O DESEJADO»

O senhora d’altas esferas!
Castela da sminhas quimeras!
O meu amor!
Amor místico, amor ceeleste
Que tu pelo natal me deste,
Senhor! Senhor!

Sou forte agora, e temeroso,
Sou um rei todo-poderoso,
Senão olhai!
So diante de ti me humilho
Senhor! Senhor! Sou teu filho
E tu meu pai!

Venham armadas de Inglaterra
Venham as naus de toda a terra,
De todo o mar!
Que eu so por entre elas e o oceano,
Na minha nau a todo o pano,
Hei-de passar!

Venha o exercito da Alemanha,
Mais seus aliados, mais a Espanha,
Hei-de vencer!
Tu es grande, es forte, Guilherme!
Tu es um mundo, eu sou um verme…
Vamos a ver!

Venha uma imensa tempestade,
Caiam raios sobre a cidade,
Venham trovões!
Que eu irei so para as janelas,
Sem santa barbara, sem velas,
Sem oracoes!

Soldados de alsácia e lorena!
(a bela franca assim mo ordena)
vamos! Então?
Atirai balas aos meus peitos,
Que eu apanho-as, como confeitos,
Na minha mão!

Venham filósofos, doutores,
Venha spinoza, outros maiores,
Gregos, judeus;
Venham estóicos, pessimistas,
Cínicos, os positivisas…
Eu creio em deus!

O morte, minha amiga de outrora
Que fazes ai, há mais de uma hora!
Queres-me? Ah sim?
Cortei as relacoes contigo
Oh vai-te! Já não sou teu amigo,
Nem tu de mim!

O luís de camões e da esperança!
Ao pe de ti sou uma criança,
Mas ouve ca.
Vamos cantar ao desafio,
A sua janela sobre o rio,
Ver qual mais da…

O troveiros de toda a parte,
d. Pedro!, d. Dinis!, d. Duarte!
O que sois vos?
Minha lira e do seu cabelo,
E os meus versos, quereis sabe-lo?
São a sua voz!

O vento cantante do norte!
Minha lira agreste e mais forte
Do que a tua!
Vinde todos, troveiros do ar,
Em desafio comigo a cantar
Por essa rua!

CAMILO PESSANHA

Formou-se em direito, em Coimbra. Passou quase toda a sua vida em Macau, reflectindo-se na sua obra o que do oriente e vago e sonho e longiqua melopeia indefinível. Artista de estranha sensibilidade, teve uma grande influencia na moderna poesia portuguesa.

AO LONGE OS BARCOS DE FLORES

So, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila,
- perdida voz que de entre as mais se exila,
- festões de som dissimulado a hora.

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora…
So, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.

E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora
Cauta, detem. So modulada trila
A flauta flebil… quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?

So, incessante, um som de flauta chora…


Chorai arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo…

De que esvoaçam,
Brancos, os arcos…
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro…
Que ruínas (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...

Trémulos astros…
Soidoes lacustres…
- lemes e mastros…
e os alabastros
dos balaustres!

Urnas quebradas!
Blocos de gelo…
- chorai arcadas,
despedaçadas,
do violoncelo.

Ao meu coracao um peso de ferro
Eu hei-de prender na volta do mar.
Ao meu coracao um peso de ferro…
Lança-lo ao mar.

Quem vai embarcar, que vai degredado…
As penas do amor não queira levar…
Marujos, erguei o cofre pesado,
Lançai-o ao mar.

A sete chaves – a carta encantada!
E um lenço bordado… esse hei-de o  levar,
Que e para o molhar na agua salgada
No dia em que enfim deixar de chorar…

Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolha-las…
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

E sobre nos cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos…

Em redor do teu vulto e como um véu!
Quem as esparze – quanta flor - , do céu,
Sobre nos dois, sobre os nossos cabelos?

Depois da luta e depois da conquista
Fiquei so! Fora um acto antipático!
Deserta a ilha, e no lençol aquático
Tudo verde, verde – a perder de vista.

Porque vos fostes, minhas caravelas,
Carregadas de todo o meu tesoiro?
- longas teias de luar de lhama de oiro,
legendas a diamantes das estrelas!

Quem vos desfez, formas inconsistentes,
Por cujo amor escalei a muralha,
- leão armado, uma espada nos dentes?

Felizes vos, o mortos da batalha!
Sonhais, de costas, nos olhos abertos
Reflectindo as estrelas, boquiabertos…

TEIXEIRA DE PASCOAES

Uma das principais características da sua poesia e um panteísmo místico em que o tom elegiaco toma a forma dum lirismo metafísico. Na linha da tradicao dos nossos melhores poetas bucólicos e saudosistas, o que podemos chamar a sua intuicao cósmica eleva-o, por vezes, a uma alta espiritualidade.

ELEGIA DO AMOR

Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para longe do povo
Alegre e dos casais,
Onde so deus pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu levavas, na mão,
Um lírio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu, triste, meditava
Na vida, em deus, em ti…
E, alem, o sol doirado
Morria, conhecendo
A noite que deixava.
Harmonias astrais
Beijavam teus ouvidos;
Um crespusculo terno
E doce diluía,
Na sombra, o teu perfil
E os montes doloridos…
Erravam, pelo azul,
Cancoes do fim do dia.
Cancoes que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia, na memoria…
Assim o que partiu,
Em frágil caravela,
E andou por todo o mundo,
Traz, no seu coracao,
A imagem do que viu.
Olhavas para mim,
As vezes, distraída,
Como quem olha o mar,
A tarde, dos rochedos…
E eu ficava a sonhar,
Qual névoa adormecida,
Quando o vento também
Dorme nos arvoredos.
Olhavas para mim…
Meu corpo rude e bruto
Vibrava, como a onda
A alar-se em nevoeiro.
Olhavas, descuidada
E triste... ainda hoje escuto
A musica ideal
Do teu olhar primeiro!
Ouço bem a tua voz,
Vejo melhor teu rosto
No silencio sem fim,
Na escuridão completa!
Ouço-te em minha dor,
Ouço-te em meu desgosto
E na minha esperança
Eterna de poeta!
O sol morria, ao longe;
E a sombra da tristeza
Velava, com amor,
Nossas doridas frontes.
Hora em que a flor medita
E a pedra chora e reza,
E desmaiam de magoa
As cristalinas fntes.
Hora santa e perfeita,
Em que íamos, sozinhos,
Felizes, através
Da aldeia muda e calma,
Mãos dadas, a sonhar,
Ao longo dos caminhos…
Tudo, em volta de nos,
Tinha um aspecto de alma.
Turo era sentimento,
Amor e piedade.
A folha que tombava,
Era alma que subia…
E, sob os nossos pés,
A terra era saudade,
A pedra comocao
E o po melancolia.
Falavas duma estrela
E deste bosque em flor;
Dos ceguinhos sem pão,
Dos pobres sem um manto.
Em cada tua palavra,
Havia etérea dor;
Por isso, a tua voz
Me imprssionava tanto!
E punha-me a cismar
Que eras tão boa e pura,
Que, muito em breve, sim!
E chamaria o céu!
E soluçava, ao ver-te
Alguma sombra escura,
Na fronte, que o luar
Cobria, como um véu.
A tua palidez
Que medo me causava!
Teu corpo era tão fino
E leve (o meu desgosto!)
Que eu tremia, ao sentir
O vento que passava!
Caia-me, na alma,
A neve do teu rosto.
Como eu ficava mudo
E triste, sobre a terra!
E uma vez, quando a noite
Amortalhava a aldeia,
Tu gritaste, de susto,
Olhando para a serra:
- que incêndio! E eu, a rir,
disse-te: - e a lua cheia!...
e sorriste também
do teu engano. A lua
ergue a branca fronte,
acima dos pinhais,
tão ébria de esplendor,
tão casta e irmã da tua,
que eu beijei, sem querer,
seus raios virginais.
E a lua, para nos,
Os braços estendeu.
Uniu-nos num abraço,
Espiritual, profundo;
E levou-nos assim,
Com ela, ate ao céu…
Mas, ai, tu não voltaste
E eu regressei ao mundo.

Um raio de luar,
Entrando, de improviso,
No meu quarto sombrio,
Onde medito, a sos,
Deixa a tremer, no ar,
Um pálido sorriso,
Um murmúrio de luz
Que lembra a tua voz…
O Outono, que derrama
Ideal melancolia
Nas almas sem amor,
Nos troncos sem folhagem,
Deixa a vibrar, em mim,
Saudosa melodia,
Dolorida cancao,
Que lembra a tua imagem.
A noite, que escurece
Os vales e os outeiros,
E que acende, num bosque,
A vos do rouxinol
E a estrela que protege
E guia os pegureiros;
A lágrima do céu
Ao ver morrer o sol,
Acorda, no meu peito,
Infinda e etera dor,
Que a memoria me traz
A luz do teu olhar…
Tudo de ti me fala,
O meu longiquo amor:
As arvores, a névoa,
Os rouxinóis e o mar.
Se passo por um lírio,
As vezes,distraído,
Chama por mim, dizendo:
«oh! Não te esqueças de ela!»
diz-mo também, chorando,
o vento dolorido.
Diz-mo a fonte, a cantar,
Diz-mo, a brilhar, a estrela.
E vejo, em toda a luz,
Teus olhos a fulgir.
Como adivinho, em tudo,
A alma que perdi!
Não encontro uma flor,
Sem o teu nome ouvir.
Não posso olhar o céu,
Sem me lembrar de ti!
Por isso, eu amo o pobre,
O triste e a natureza,
A mãe da humana dor,
Da dor de deus a filha.
Meu coracao, ao pe
Dum pobrezinho, reza;

Canta, ao lado dum ninho,
Ao pe da estrela, brilha.
O meu amor por ti,
Meu bem, minha saudade,
Ampliou-se ate deus,
Os astros alcançou.
Beijo o rochedo e a flor,
A noite e a claridade.
São estes, sobre o mundo,
Os beijos que te dou.
Hás-de senti-los, sim.
Doce mulher de outrora.
O roxo lírio de hoje,
O nuvem actual!
Como dants, teu rosto,
A rosa ainda hoje cora;
Beijo-te, sim, beijando
A rosa virginal.
Teu aspectro divaga
Ao longo dos espaços.
Teu amor, feito luz,
Desce do firmamento.
Se abraço um verde tronco,
Eu sinto, entre os meus braços,
Teu corpo estremecer,
Como uma flor, ao vento.
Soluça a tua dor
Nas infinitas magoas,
Que, no fumo da tarde,
Eu vejo, alem, subir…
E paira a tua vez
No marulhar das aguas,
No murmúrio que sai
Da spetalas a abrir.
Se os lábios vou molhar
Nas ondas duma fonte,
Queimam meu coracao
Tuas lágrimas salgadas.
E, quando acaricia
O vento a minha fronte,
Eu bem sinto, sobre ela,
As tuas mãos sagradas.
Quando a lua, no Outono,
Envolta em luz funérea,
Morta, vai a boiar
Nas guas do infinito,
Doira meu frio rosto
A palidez aterea,
Que dantes emanava
O teu perfil bendito.
Quando, em manhas de Abril,
Acordo, de repente,
E vejo, no meu quarto,
O sol entrar, sorrindo.
Julgo ver, entre mim,
Teu corpo resplendente,
Tua rança de luz,
Teu gesto suave e lindo.
Descubro-te, mulher,
Da natureza inteira,
Porque entendo a floresta,
A névoa, o céu doirado,
A estrela a arder, no azul,
A lenha, na lareira
E o lírio que, na cruz
Do Outono, esta pregado.
Falas comigo, sim,
Da dor, do bem, de deus…
Repartes o meu pão,
Amor, pelos ceguinhos…
E pelas solidões
Os pobres versos meus,
Como os pobres que vão,
A orar, pelos caminhos.
Es a minha ternura,
A minha piedade,
Pois tudo m ecomove!
O zéfiro mais leve
Acende, no meu peito,
Infinda claridade;
E a brancura do lírio
Enche meu ser de neve.
Todo eu fico a cismar
Na louca voz do vento,
Na atitude serena
E estranha duma serra;
No delírio do mar,
Na paz do firmamento
E na nuvem, que estende
As asas sobre a terra.
Todo eu fico a cismar,
Assim como que esquecido,
Ante a flor virginal
E o sol enamorado…
Ane o luar que nasce,
Ao longe, dolorido,
Dando as couss um ar
Tão triste e macerado.
Todo eu medito e cismo…
Um vago e etéreo laco
Prende-me ao teu imenso
E livre coracao,
Que abrange o mundo inteiro
E ocupa todo o espaço,
E que vai povoar
A minha solidão.
Por isso, eu vivo sempre,
Em doce companhia,
Com o pobre que pede
E a estrela que fulgura;
E assim, a minha alma,
Igual a luz do dia,
Derrama-se, no céu,
Em ondas de ternura.
Sou como a chuva e o vento
E a sombra duma cruz!
Lira, que a mais suave
Aragem faz vibrar…
Agua que, ao luar brando,
Em nuvens se traduz;
Fruto que amadurece,
A luz dum claro olhar…
Pedra que um beijo funde
E místico vapor,
Que um hálito condensa
Em pura gota de agua…
Sou aroma que um ai!
Encarna em triste flor;
Riso que muda em choro
A mais pequena magoa.
Vivo a vida infinita,
Eterna, esplendorosa.
Sou neblina, sou ave,
Estrela, azul sem fim,
So prque, um dia, tu,
Mulher misteriosa,
Pró acaso, talvez,
Olhaste para mim.

POESIA

Quando, entre os pinheirais, a tarde se incendeia
E um véu de etérea magoa envolve a minha aldeia,
E tocam as trindades,
Não sei que infindo sonho aos astros me transporá;
E, sobre a terra viva, a minha sombra mora,
E feita de saudades.

Que funda comocao, de longe, me deslumbra!
Cada estrelinha de oiro e um beijo da penumbra
Que nos meus olhos arde.
Sou lágrima tremendo, ao vento que perpassa;
Erma névoa de dor, que, pálida, esvoaça,
Na plaidez da tarde.

Eu sou como um fantasma, errante e dolorido.
E se uma fonte chora, eu choro comovido
As lágrimas das cousas.

Sofro a melancolia ideal dos arvoredos
E a ansiedade do mar batendo nos penedos,
Pelas manhas brumosas…

O lobos do marão! Poetas que, a lua, uivais
E arrepiados de frio e fome, divagais,
Nos cerros de granito!
Como as aves, também adejo, sobre as casas;
E nos seus ninhos vivo e tenho as suas asas,
Cansadas do infinito!

Dentro em meu coracao, em névoa de tristeza,
Comigo, o mundo canta, e cisma, e chora, e reza,
E sonha o que eu sonhar.
Partiu donde eu parti. E igual o nosso rumo.
Descendo a cova, irei para onde vais, o fumo,
Que sobes do meu lar…

POESIA

Ai vem a meia-noie, eram donzela,
Senhora minha;
Rosa de sombra que, em botão, e estrela
E, quando desabrocha, e manhãzinha;
E ao atingir a pelan puberdade
Voluptuosa,
Despe o traje infantil de claridade,
Transfigura-se, e e nite silenciosa.

Ai vem a meia-noite. As claras fontes
Emudecem num êxtase profundo.
Ns horizontes,
Pairam magoas e brumas deste mundo.
E a estranha hora,
Em que o sgredo e o medo se elevantam.
Nos pinheirais, o vento geme e chora,
E os sapatos cantam.

E ouço a noite chorar, no meu jardim,
Tão desolada!
Chora por mim,
A dor, nas coussas mortas, encantada.
E chora, como as arvores sentindo
Esse orvalhado alivio das manhas.
Gotas de fogo liquido, sorrrindo,
O doce orvalho! O lágrimas pagas!

Ai vem a meia-noite. O noiva triste,
De olhar tão sério!
Que e e do teu noivo, dize? Onde e que existe
O príncipe da sombra e do mistério?
Em que pais de lenda e nevoeiro,
Ele te espera,
Escondendo, no peito aventureiro,
Teu retrato de sol e primavera?

«o noite imensa,
a luz do meu olhar e luz do dia…
e em relevos esculpe a névoa densa,
que me arrepia…
o mar, em negras ndas de amargura,
os arvoredos…
udo o que me seduz, e que procura
rodear-me de espantos e de medos!

Eu sou a vida
E a luz de tudo.
Fora de mim, há a sombra indefinida,
O espectro mudo…
A confusão das nuvens, bruto mármore
Que eu tomo, em minhas mãos extasiadas,
E ei-lo donzela e rosa e ronco de arvore,
A musica das formas animadas…
Figuras imortais do meu desgosto…
Sobre elas choro, com pesar profundo,
Tal como deus chorou, velando o rosto,
Sobre a beleza cósmica do mundo…»

FERNANDO PESSOA

Foi um dos pioneiros do movimento a que se chamou modernismo. Assinando as suas poesias com diversos nomes (álvaro de campos, Alberto Caeiro, Ricardo reis), revelou uma personalidade compelxa e um excepcional vigor intelectual. A sua imporancia na literatura portuguesa dia a dia se tem afirmado como das mais evidentes de todos os tempos.

MARINHA

Ditosos a quem acena
Um lenço de despedida!
São felizes: tem pena…
Eu sofro sem pena a vida.

Doo-me ate onde penso,
E a dor e já de pensar,
Orfao de um sonho suspenso
Pela maré a vazar…

E sobe ate mim, já farto
De improfícuas agonias,
No cais de onde nunca parto,
A maresia dos dias.

O ANDAIME

O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi so a vida mentida
D eum futuro imaginacao!

Aqui a beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anónimo e frio,
A vida vivida em vão.

A esperança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobe mais que a minha esperança.
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passa – verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
So no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das aguas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

Som morto das aguas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não so as lembranças,
Mas ass mortas esperanças –
Mortas, porque hão-de morrer.

Sou já o morto futuro.
So um sonho me liga a mim –
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser – muro
Do meu deserto jardim.

Ondas passadas, levai-me
Para o olvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.

Sol nulo dos dias vãos,
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao menos as mãos
A quem não entras na alma!

Que ao menos a mão, roçando
A mão que por ela passe,
Com externo calor brando
O frio da alma disfarce!

Senhor, já que a dor e nossa
E a fraqueza que ela tem,
Da-nos ao menos a forca
De a não mostrar a ninguém!

O sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E e tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto,
Quando passo sempre errante,
Es para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

Montes, e a paz que há neles, pois são longe…
Paisagens, isto e, ninguém…
Tenho a alma feita para ser de um monge
Mas não me sinto bem.

Se eu fosse outro, fora outro. Assim
Aceito o que me dão,
Como quem espreita para um jardim
Onde os outros estão.

Que outros? Não sei. Há no sossego incerto
Uma pasz que não há,
E eu fito sem o ler o livro aberto
Que nunca mo dirá…

Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexe-lo.
Não sei se sou feliz
Nem se desejo se-lo.

Trémulos vincos risonhos
Na agua adormecida.
Porque fiz eu dos sonhos
A minha única vida?

Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razoes pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão!
O que para mim sente esta pensando.
Derrama no meu coracao
A tua incerteza voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! O céu!
O campo! O cancao! A ciência

Pesa tanto e a vida e tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!

Pobre velha musica!
Não sei por que agrado,
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado.

Recordo outro ouvir-te.
Não sei se te ouvi
Nessa minha infância
Que me lembra de ti.

Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
E eu era tão feliz? Não sei:
Fui-o outrora agora.

Vem, noite antiquíssima e idêntica,
Noite rainha nascida destronada,
Noit eigual por dentro ao silencio, noite
Com as estrelas lantejoulas rápidas
No teu vestido franjado de infinito.

Vem, vagamente,
Vem, levemente,
Vem sozinha, solene, com as mãos caídas
Ao teu lado, vem
E traz os montes longiquos para o pe das arvores próximas,
Funde num campo teu todos os campos que vejo,
Faze da montanha um bloco so do teu corpo,
Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo,
Todas as estradas que a sobem,
Todas as varias arvores que a fazem verde-escuro ao longe,

Todas as casas brancas e com fumo entre as arvores,
E deixa so uma luz e outra luz e mais outra,
Na distancia imprecisa e vagamente perturbadora,
Na distancia subitamente impossível de percorrer.

Nossa senhora
Das coisas impossíveis que procuramos em vão,
Dos sonhos que vem ter connosco ao crepúsculo, a janela,
Dos propósitos que nos acariciam
Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolitas
Ao som europeu das musicas e das vozes longe e perto,
E que doem por sabermos que nunca os realizaremos…
Vem, e embala-nos,
Vem, e afaga-nos,
Beija-nos silenciosamente na fronte,
Tao levemente na fronte que não saibamos que nos beijam
Senão por uma diferença na alma
E um vago soluço partindo melodiosamente
Do antiquíssimo de nos
Onde tem raiz todas essas arvores de maravilha
Cujos frutos são os sonhos que afagamos e amamos
Porque os sabemos fora de relacao com o que há na vida.

Vem soleníssima,
Soleníssima e cheia
De uma oculta vontade de soluçar,
Talvez porque a alma e grande e a vida pequena,
E todos os gestos não saem do nosso corpo
E so alcançamos onde o nosso braço chega,
E so vemos ate onde chega o nosso olhar.

Vem, dolorosa,
Mater-dolorosa das angustias dos tímidos,
Turris.eburnea das tristezas dos desprezados,
Mão fresca sobre a testa em febre dos humildes,
Sabor de agua sobre os lábios secos dos cansados.
Vem, la do fundo
Do horizonte lívido;
Vem e arranca-me
Do solo de angustia e de inutilidade
Onde vicejo.
Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido,
Folha a folha le em mim não sei que sina
E desfolha-me para teu agrado,
Para teu agrado silencioso e fresco.
Uma folha de mim lança para o norte,
Onde estão as cidades de hoje que eu tanto amei;
Outra folha de mim lança para o sul,
Onde estão os mares que os navegadores abriram;
Outra folha minha atira ao ocidente,
Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o futuro,
Que eu sem conhecer adoro;
E a outra, as outras, o resto de mim
Atira ao oriente,
Ao oriente donde vem tudo, o dia e a fe,
Ao oriente pomposo e fanático e quente,
Ao oriente excessivo que eu nunca verei,
Ao oriente budista, bramânico, sintoista,
Ao oriente que tudo o que nos não temos,
Que tudo o que nos não somos,
Ao oriente onde – quem sabe? – Cristo talvez ainda hoje viva,
Onde deus talvez exista realmente mandando tudo…

Vem sobre os mares,
Sobre os mares maiores,
Sobre os mares sem horizontes precisos,
Vem e passa a mão pelo dorso de fera,
E acalma-o misteriosamente,
O domadora hipnótica das coisas que se agitam muito!
Vem, cuidadosa,
Vem, maternal,
Pe ante pe enfermeira antiquíssima, que te sentaste
A cabeceira dos deuses das fés já perdidas,
E que viste nascer jeová e júpiter,
E sorriste porque tudo te e falso e inútil.

Vem, noite sileciosa e extática,
Vem envolver na noite manto branco
O meu coracao…
Serenamente como uma brisa na tarde leve,
Tranquilamente como um gesto materno afagando,
Com as estrelas luzindo nas tuas mãos
E a lua mascara misteriosa sobre a tua face.
Todos os sons soam de outra maneira
Quando tu vens.
Quando tu entras baixam todas as vozes,
Ninguém te ve entrar.
Ninguém sabe quando tu entraste,
Senão de repente, vendo que tudo se recolhe,
Que tudo perde as arestas e as cores,
E que no alto céu ainda claramente azul
Já crescente nítido, ou circulo branco, ou mera luz nova que vem,
A lua começa a ser real.

Não so vinho, mas nele o olvido, deito
Na taça: serei ledo, porque a dita
E ignora. Quem, lembrando
Ou prevendo, sorrira?
Dos brutos, não a vida, senão a lma,
Consigamos, pensando; recolhidos
No impalpável destino
Que não espera nem lembra.
Com mão mortal elevo a mortal boca
Em frágil taça o passageiro vinho,
Baços os olhos feitos
Para deixar de ver.

Não so quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afectos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
E livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, e igual aos deuses.

D. FERNANDO INFANTE DE PORTUGAL

Deu-me deus o seu gladio, por que eu faca
A sua santa guerra.
Sagrou-me seu em honra e em desgraça,
As horas em que um frio vento passa
Por sobre a fria terra.

Pos-me as mãos sobre os ombros e doirou-me
A fronte com o olhar;
E esta febre de alem, que me consome,
E este querer grandeza são seu nome
Dentro em mim a vibrar.

E eu vou, e a luz do gladio erguido da
Em minha face calma.
Cheio de deus, não temo o que vira,
Pois, venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha alma.

MARIO DE SA-CARNEIRO

Os seus versos, sem inovacao quanto a forma, trazem a literatura portuguesa uma riqueza de imagens e uma novidade de expressão reveladoras duma das mais fortes personalidades da nossa poesia. O seu drama e o drama do inadaptado total, do exasperado de sensacoes a que se reduzia a angustia dum horizonte vazio.
Entre os poetas modernos, não podemos deixar de o considerar um dos maiores.

QUASE

Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era alem.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Assombro ou paz? Em vão… tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grnade sonho – o dor – quase vivido…

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o principio e o fim – quase a expansão…
Mas na minha alma tudo se derrama…
Entanto nada foi so ilusão!

De tudo houve um começo… e tudo errou…
-ai a dor de ser-quase, dor sem fim… -
eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
asa que se elancou mas não voou…

momentos de alma que desbaratei…
templos aonda nunca pus um altar…
rios que perdi sem os levar ao mar…
ânsias que foram mas que não fixei…

se me vagueio, encontro so indícios…
ogivas para o sol – vejo-as cerradas;
e mãos do herói, sem fe, acobardadas,
puseram grades sobre os precipícios…

num ímpeto difuso de quebranto,
tudo encetei e nada possui…
hoje, de mim, so resta o desencanto
das coisas que beijei mas não vivi…

um pouco mais de sol – e fora brasa,
um pouco mais de azul – e fora alem.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

ELEGIA

Minha presença de cetim,
Toda bordada a cor-de-rosa,
Que foste sempre um adeus em mim
Por uma tarde silenciosa…

O dedos longos que toquei,
Mas se os toquei, desapareceram…
O minhas bocas que esperei,
E nunca mais se me estenderam…

Meus bulevares de Europa e beijos
Onde fui so um espectador…
- que sono lasso, o meu amor;
- que poeira de oiro, os meus desejos…

há mãos pendidas de amuradas
no meu anseio a divagar…
em mim findou todo o luar
da lua dum conto de fadas…

eu fui alguém que se enganou
e achou mais belo ter errado.
Mantenho o trono mascarado
Aonde me sagrei pierrot.

Minhas tristezas de cristal,
Meus débeis arrependimentos
São hoje os velhos paramentos
Duma pesada catedral.

Pobres eleios de carmim
Que reservara pra algum dia…
A sombra loira, fugidia,
Jamais se abeirara de mim…

- o minhas cartas nunca escritas,
e os meus retratos que rasguei…
as oracoes que não rezei…
madeixas falsas, flores e fitas…

o petit-bleu que não chegou…
as horas vagas do jardim…
o anel de beijos e marfim
que os seus dedos nunca anelou…

convalescença afectuosa
num hospital branco de paz…
a dor magoada e duvidosa
dum outro tempo mais lilás…

um braço que nos acalenta…
livros de cor a cabeceira…
minha ternura friorenta –
ter amas pela vida inteira…

o grande hotel universal
dos meus frenéticos enganos,
com aquecimento central,
scrocs, cocottes, tziganos…

o meus cafés de grande vida
com dançarinas multicolores…
 - ai, não são mais as minhas dores
que a sua dança interrompida…

O RESGATE

A ultima ilusão foi partir os espelhos –
E nas salas ducais, os frisos de esculturas
Desfizeram-se em po… todas as bordaduras
Caíram de repente aos reposteiros velhos.

Rasgavam-se cetins, abatiam-se escudos;
Estalavam de cor os grifos dos ornatos.
Pelas molduras de honra, os lendários retratos
Sumiam-se de medo, a roçagar veludos…

Doido! Trazer ali os meus desdéns crispados!...
Tectos e frescos, pouco a pouco enegreciam;
Panos de arras do que não-fui emurcheciam –
Velavam-se brasões, subitamente errados…

Então, eu mesmo fui trancar todas as portas;
Fechei-me a bronze eterno em meus salões ruídos…
- se arranho o meu despeito entre vidros partidos,
estilizei em mim as doiraduras mortas!

Esta inconstância de mim próprio em bibracao
E que me há-de transpor as zonas intermédias,
E seguirei entre cristais de inquietacao,
A retinir, a ondular… soltas as rédeas,
Meus sonhos, leões de fogo e pasmo domados a tirar
A torre de oiro que era o carro da minha alma,
Transviarão pelo deserto, moribundos de luar –
E eu so me lembrarei num baloiçar de palma…
Nos oásis depois hão-de se abismar gumes,
A atmosfera há-de ser outra, noutros planos;
As rãs hão-de coxar-me em roucos tons humanos
Vomitando a minha carne que comeram entre estrumes…

Há sempre um grande arco ao fundo dos meus olhos…
A cada passo a minha alm,a e outra cruz,
E o meu coracao gira: e uma roda de cores…
Não sei aonda vou, nem vejo o que persigo…
Resvalo em pontes de gelatina e de bolores…
- hoje a luz para mim e sempre meia-luz…

as mesas do café endoideceram feitas ar…
caiu-me agora um braço… olha la vai ele a valsar,
vestido de casaca, nos saloes do vice-rei…

(subo por mim acima como por uma escada de corda,
e a minha ânsia e um trapézio escangalhado…)

O LORD

Lord que eu fui de escocias doutra vida
Hoej arrasta por esta a sua decadência,
Sem brilho e equipagens.
Milord reduzido a viver de imagens,
Paraa s montras de jóias de opulência
Num desejo brumoso – em duvida iludida…
( - por isso a minha raiva mal contida,
- por isso a minha eterna impaciência.)

olha as praças, rodeia-as…
quem sabe se ele outrora
teve praças, como esta, e palácios e colunas –
longas terras, quintas cheias,
iates pelo mar fora,
montanhas e lagos, florestas e dunas…

( - por isso a sensacao em mim fincada há tanto
dum grande património algures haver perdido;
por isso o meu desejo astral de luxo desmedido –
e a cor na minha obra o que ficou do encanto…)

FIM

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão va sobre um burro
Ajaezado a andaluza…
A um morto nada se recusa,
E eu quero por forca ir de burro!

FLORBELA ESPANCA

Elevando a uma superior expressão poética a paixão sensual e a confissão feminina, por vezes desesperada e trágica, os seus sonetos podem figurar entre os mais sentidos e belos da nossa poesia.

HORAS RUBRAS

Horas profundas, elntas e caladas,
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas…

Ouço as olaias rindo desgrenhadas…
Tombam astros em fogo, astros demeentes,
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata pelas estradas…

Os meus lábios são brancos como lagos…
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras…

Sou chama e neve branca e misteriosa…
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
O meu poeta, o beijo que procuras!

FANATISMO

Minha alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não es sequer raao do meu viver,
Pois que tu es já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma historia tantas vezes lida!

«tudo no mundo e frágil, tudo passa…»
quando me dizem isto, toda a graça
duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
«ah! Podem voar mundos, morrer astros,
que tu es como deus: principio e fim!...»

SONHO VAGO

Um sonho alado que nasceu um instante,
Erguido ao alto em horas de demência…
Gotas de agua que tombam em cadencia
Na minha alma tristíssima, distante…

Onde esta ele, o desejado? O infante?
O que há-de vir e amar-me em doida ardência?
O das horas de magoa e penitencia?
O príncipe encantado? O eleito? O amante?

E neste sonho eu já nem sei quem sou…
O brando marulhar dum longo beijo
Que não chegou a dar-se e que passou…

Um fogo-fatuo rutilo, talvez…
E eu ando a procurar-te e já te vejo!...
E tu já me encontraste e não me vês!...

AMAR!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar so por amar: aqui… alem…
Mais este e aquele, o outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? E mal? E bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira e porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
E preciso canta-la assim florida,
Pois se deus nos deu voz foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser po, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…

SUPREMO ENLEIO

Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!

Erva do chão que a mão de deus levanta,
Folhas murchas de rojo a tua porta…
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!

Mas eu sou a manha: apago estrelas!
Hás-de ver-me,. Beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!

E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás-de encontrar ainda…

SONETO

Meu amor, meu amado, ve… repara:
Poisa os teus lindos olhos de oiro em mim,
- ods meus beijos de amor deus fez-me avara
para nunca os contares ate ao fim.

Meus olhos tem tons de pedra rara
- e so para teu bem que os tenho assim –
e as minhas mãos são fontes de agua clara
a cantar sobre a sede dum jardim.

Sou triste como a folha ao abandono
Num parque solitário, pelo Outono,
Sobre um lago onde vogam nenúfares…

Deus fez-me atravessar o teu caminho…
- que contas das a deus indo sozinho,
passando junto a mim, sem me encontrares? –

FIM


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