POESIA
Uma antologia de poetas e
sempre, por sua natureza uma obra incompleta e marcada pelo subjectivismo,
preferências e discutível critério de quem a organiza.
Aceite este principio, mais
vale tirar dele todas as vantagens e liberdades do que recusa-las em troca de
menores benefícios para o leitor que não procure um texto erudito e pedagógico,
mas so algumas paginas que goste de ler e de reler. Por isto, como em nenhuma
outra, nesta assentara bem a chancela de incompleta e arbitraria.
Não queremos afirmar que as
poesias aqui reunidas sejam, sem duvida, as melhores, nem que estejam aqui
todos os grandes poetas da literatura portuguesa. Já fazemos uma afirmacao
muito importante ao dizer que escolhemos algumas das melhores poesias de alguns
dos maiores poetas. Dos antigos, que o arcaísmo da expressão mais distancia do
leitor de hoje, transcrevemos apenas uma outra poesia ou breves trechos
escolhidos a laia de prefacio e exemplo da raiz lírica dos grandes mestres que
se lhes seguem. Sem intento de incluir representantes de todas as épocas e
géneros, saltamos do século XVI para o século XIX, com a leveza que ao diante
se vera, o que não e afirmar que no tempo interdiante se vera, o que não e
afirmar que no tempo intermédio não tenha havido grandes poetas e que so nos
tempos modernos os tenha tornado a haver. O leitor curioso pode recorrer as
antologias mais completas e bem ordenadas que por ai correm, corrigindo as
nossas faltas, e dirá que nestas paginas houve a intencao de so dar grande
lugar aos poetas modernos a par dos velhos mestres de quem o interesse e a
licao viva nos pareceram mais renovados e permanentes ao longo das modas e dos
tempos.
JOAO ROIZ DE CASTELO-BRANCO
De quem pouco se sabe, não
precisou de deixar no concioneiro geral (1516) mais do que esta cantiga, para
se celebrizar na historia da poesia portuguesa como um artista da forma e um
verdadeiro poeta.
CANTIGA, PARTINDO-SE
Senhora, partem tam tristes
Meus olhos por vos, meu bem,
Que nunca tam trises vistes
Outros nenhuns por ninguém.
Tam trises, tam saudosos,
Tam doentes da partida,
Tam cansados, tam chorosos,
Da morte mais desejosos
Cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os
tristes,
Tam fora d’esperar bem,
Que nunca tam tristes vistes
Outros nenhuns por ninguém.
BERNADIM RIBEIRO
Nasceu por fins do século XV
e estudou em Coimbra, onde se formou em leis. O sentimentalismo amoroso exarcebado, a
subtil interpretacaio da paixão amorosa, a humanizacao da natureza, estão na
sua obra em verso ou em rposa como características das mais constantes do nosso
lirismo.
SEXTINA
Ontem pos-se o sol, e a
noute
Cobriu de sombra esta terra,
Agora e já outro dia,
Tudo torna, torna o sol;
So foi a minha vontade
Para não tornar co’o tempo!
Todalas coisas, per tempo,
Passam, como dia e noute;
Ua so, minha vontade,
Não, que a dor comigo a
aterra;
Nela cuido em quanto há sol,
Nela em quanto não há dia.
Mal quiero per um so dia
A todo outro dia e tempo,
Que a mim pos-se-me o sol
Onde eu so temia a noute;
Tenho a mim sobre a erra,
Debaixo minha vontade.
Dentro na minha vontade
Não há momento do dia
Que não seja tudo terra;
Ora ponho a culpa ao tempo,
Ora a torno a por a noute:
No milhor pon-se-me o sol!
Primeiro não haverá sol
Que eu descanse na vontade,
Pon-se-me ua escura noute
Sobre a lembrança de um dia…
Inda mal porque houve tempo
E porque tudo foi terra.
Haver de ser tudo terra
Quanto há debaxo do sol
Me descansa, porque o tempo
Me vingara da vontade;
Se não que antes deste dia
Há-de passar tanta noute!
CRISTOVAO FALCAO
Parece ter sido o autor da
écloga crisfal,
Que alguns historiadores da
literatura julgam
ser de Bernardim ribeiro,
dadas as suas
grandes afinidades com
aspectos principais
da obra do autor da menina e
moca. «in dúbio pró reo.»
CRISFAL
Minhas lágrimas cansadas,
Sem descanso nem folgunca,
A minha trise lembrança
Vos tem tão aviventadas
Como morta a esperança.
Correi de toda vontade,
Que esta vos não faltara.
Mas isto como será?
Pedi-la-ei a saudade,
E a sasudade ma dará.
Todos os contentamentos
Da minha vida passaram,
E, em fim, não me ficaram
Senão descontentamentos
Que de mim se contaram.
Destes, pólo meu pecado
-inda que nunca pequei
a quem amo e amarei –
nunca desacompanhado
me vejo, nem me verei.
Faz-me esta desconfiança
Ver meu remédio tardar,
E já agora esperar
Não ousa minha esperança,
Por me mais não magoar.
Se por isso desmereço
De-se-me a culpa assim,
E seja já com a fim
-que há muito que me conheço
aborrecido de mim.
Vida de tam longos males
Como não cansas de ser!
Que eu canso já de viver,
E o eco destes vales
Cansa de me responder.
As ribeiras, em eu ve-las,
Correm mais do que e seu
foro,
Entrando meu chrar nelas;
E, pois ajudam meu choro,
Quero so falar com elas.
LUIS DE CAMOES
Frequentou estudos
superiores em Coimbra e teve uma vida boémia e agitada, de que algumas coisas
se sabem e muitas se ignoram. Foi soldado em africa e exerceu cargos públicos
no oriente, onde as complicacoes e aventuras da sua vida continuaram. Sabe-se
que andou por Goa, pelo golfo pérsico, por ternate, pela china e pela costa da
cochinchina, onde naufragou, conseguindo salvar a nado o manuscrito de os
lusíadas. Regressou a Lisboa em 1569 e três anos depois de publicar os lusíadas
morreu na miséria.
O ideal clássico, harmonia e
medida, equilíbrio duma personalidade que nada perturba, esta em camões
conseguido no mais alto grau. Onde os seus versos nos parecem mais fáceis e
naturais, ai se revela o grande artistae profundo conhecedor da língua e da
técnica métrica e rítmica, o honesto estudo com larga experiência misturado,
como o poeta diz.
A profundiade e a
sinceridade do seu sentimento poético fazem que não se desvie nunca para
formalismos frios e artificiasis, habilidades e jogos sem sentido.
Foi o aventureiro, o
soldado, o amante apaixonado, o boémio de fraca e forte espada, mas foi também
o homem culto que aproveitou essa experiência e em cuja obra se reflectem, com
superior consciência, todos os problemas e ideias da sua época.
Alem de ser o épico genial
de os lusíadas, e o maior dos nossos poetas líricos.
CANCAO
Vão as serenas aguas
Do Mondego descendo,
E, mansamente, ate o mar não
param;
Por onde as minhas magoas,
Pouco e pouco crescendo,
Para nunca acabar se
começaram.
Ali se me mostraram,
Neste lugar ameno
Em que inda agora mouro,
Testa de neve e de ouro,
Riso brando e suave, olhar
sereno,
Um gesto delicado,
Que sempre na alma me estará
pintado.
Nesta florida terra,
Leda, fresca e serena,
Ledo e contente para mim
vivia;
Em paz com minha guerra,
Glorioso co’a pena
Que de tão belos olhos
procedia.
De um dia em outro dia
O esperar me enganava;
Tempo longo passei,
Com a vida folguei,
So porque em bem tamanho se
empregava.
Mas que me presta já,
Que tão formosos olhos não
os há?
Oh! Quem me ali dissera
Que de amor tão profundo
O fim pudesse ver eu alguma
hora!
E quem cuidar pudera
Que houvesse ai no mundo
Apartar-me eu de vos, minha
senhora!
Para que, desde agora,
Já perdida a esperança,
Visse o vão pensamento
Desfeito em um momento,
Sem me poder ficar mais que
a lembrança,
Que sempre estará firme,
Ate no derradeiro
despedir-me.
Mas a mor alegria
Que daqui levar posso
E com que defender-me triste
espero
E que nunca sentia,
No tempo que fui vosso,
Quererdes-me vos quanto vos
eu quero;
Porque o tormento fero
De vosso apartamento
Não vos dará tal pena
Como a que me condena,
Que mais sentirei vosso
sentimento
Que o que a minha alma
sente.
Morra eu, senhora, e ficai
vos contente!
Tu, cancao, estarás
Agora acompanhado
Por estes campos estas
claras aguas,
E por mim ficaras
Com choro suspirando,
Por que, ao mundo dizendo
tantas magoas,
Como uma alrga historia
Minhas lágrimas fiquem por
memoria.
SONETO
Aquela triste e leda
madrugada,
Cheia toda de magoa e de
piedade,
Enquanto houver no mundo
saudade
Quero que seja sempre
celebrada.
Ela so, quando amena e
marchetada
Saia, dando ao mundo
claridade,
Viu aparar-se de fia outra
vontade,
Que nunca poderá ver-se
apartada.
Ela so viu as lágrimas em
fio,
Que duns e doutros olhos
derivadas,
Se acrescentaram em grande e
largo rio;
Ela viu as palavras
magoadas,
Que puderam tornar o fogo
frio
E dar descanso as almas
condenadas.
SONETO
Alma minha gentil, que te
partise
Tão cedo desta vida,
descontente,
Repousa la no céu
eternamente
E viva eu ca na terra sempre
triste.
Se la no assento etéreo,
onde subsiste,
Memoria desta vida se
consente,
Não te esqeucas daquele amor
ardente
Que já nos olhos meus tão
puro viste.
E se vires que pode
mereecer-te
Algua cousa a dor que me
ficou
Da magoa, sem remédio, de
perder-te,
Roga a deus, que teus anos
encurtou,
Que tão cedo de ca me elve a
ver-te
Quão cedo de meus olhos te levou.
SONETO
Erros meus, ma fortuna, amor
ardente
Em minha perdicao se
conjuraram;
Os erros e a fortuna
sobejaram,
Que para mim bastava o amor
somente.
Tudo passei; mas tenho tão
presente
A grande dor das cousas que
passaram
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser
contente.
Errei todo o discurso de
meus anos;
Dei causa que a fortuna
castigasse
As minhas mal fundadas
esperanças.
De amor não vi senão breves
enganos…
Oh! Quem tanto pudesse que
fartasse
Este meu duro génio de
vinganças!
ENDECHAS A BARBARA
Aquela cativa,
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que para meus olhos
Fosse mais formosa.
Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas,
Me parecem belas
Como os meus amores:
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar;
Ua graça viva,
Que neles lhe mora,
Para ser senhra
De quem e cativa;
Preos so cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.
Pretidão de amor!
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas barbara não.
Presença serena,
Que a tormenta amansa:
Nela enfim descnasa
Toda a minha pena.
Esta e a cativa
Que me em cativo;
E, pois nela vivo,
E forca que viva.
CANCAO
Vinde ca, meu tão certo
secretario
Dos queixumes que sempre
ando fazendo,
Papel, com quem a pena
desafogo!
As sem razoes digamos que,
vivendo,
Me faz o inexorável e
contrario
Destino, surdo a lágrimas e
a rogo.
Lancemos agua pouca em muito
fogo;
Acenda-se com gritos um
tormento
Que a todas as memorias seja
estranho.
Digamos mal tamanho
A deus, ao mundo, a gente e,
enfim, ao vento,
A quem já muitas vezes o
contei,
Tanto debalde como o conto
agora;
Mas, já que para errores fui
nascido,
Vir este a ser um deles não
duvido.
E, pois já de acertar estou
tão fora,
Não me culpem também se
nisto errei.
Sequer este refugio so
terei:
Falar e errar, sem culpa,
livremente.
Triste qeum de tão pouco
esta contente!
Já me desenganei que de
queixar-me
Não se alcança remédio: mas
quem pena
Forcado lhe e gritar, se a
dor e grande.
Gritearei; mas e débil e
pequena
A voz para poder
desabafar-me,
Por que nem com gritar a dor
se abrande.
Quem me dará, sequer, que
fora mande
lágrimas e suspiros
infinitos,
igiausis ao mal que dentro
na alma mora?
Mas quem pode alguma hora
Medir o mal com lágrimas ou
gritos?
Direi, enfim, aquilo que me
ensinam
A ira e magoa, e delas a
lembrança,
Que outra dor e por si mais
dura e firme.
Chegai, desesperados, para
ouvir-me,
E fujam os que vivem de
esperança
Ou aqueles que nela se
imaginam,
Porque amor e fortuna
determinam
De lhes deixar poder para
entenderem,
A medida dos males que
tiverem.
Quando vim da materna
sepultura
De novo ao mundo, logo me
fizeram
Estrelas infelices obrigado;
Com er livre alvedrio, mo
não deram,
Que eu conheci mil vezes na
ventura
O melhor, e o pior segui,
forcado.
E, apra que o tormento
conformado
Me dessem do’a idade, quando
abrisse,
Inda menino, os olhos,
brandamente,
Mandam que, diligente,
Um menino sem olhos me ferisse.
As lágrimas da infância já
manavam
Com uma saudade namorada;
O som dos gritos que no
berço dava,
Já como de suspiros me
soava.
Co’a idade o fado estava
concerado;
Porque, quando, por acaso,
me embalavam,
Se de amor tristes versos me
cantavam,
Logo me adormecia a
natureza,
Que tão conforme estava a
co’a tristeza.
Foi minha ama uma fera; que
o destino
Não quis que mulher fosse a
que tivesse
Tal nome para mim; nem a
haveria.
Assim criado fui, pró que
bebesse
O veneno amoroso, de menino,
Que na maior idade beberia,
E, por costume, não me
mataria.
Logo então vi a image e
semelhança
Daquela humana fera tão
formosa,
Suave e venenosa,
Que me criou aos peitos da
esperança;
De quem eu vi depois o
original,
Que de todos os grandes
desatinos
Faz a culpa soberba e
soberana.
Parece-me que tinha forma
humana,
Mas cintilava espíritos
divinos.
Um meneio e presença tinha
tal
Que se vangloriava todo o
mal
Na vista dela; a sombra,
co’a viveza,
Excedia o poder da natureza.
Que género tão novo de
tormento
Teve amor, sem que fosse não
somente
Provado em mim, mas todo
executado!
Implacáveis durezas, que ao
fervente
Desejo, que da forca ao
pensamento,
Tinham de seu propósito
abalado,
E corrido de ver-se e
infjuriado:
Aqui, sombras fantásticas,
trazidas
De algumas temerárias esperanças;
As bem-aventurancas
Também nelas pintadas e
fingidas.
Mas a dor do desprezo
recebido,
Que todo o fantasiar
desatinava,
Estes enganos punha em
desconcerto.
Aqui o adivinhar, e o ter
por certo
Que era verdade quanto
adivinhava,
E logo o desdizer-me, de
corrido:
Dar as cousas que via outro
sentido,
E para tudo, enfim, buscar
razoes;
Mas eram muitas mais as
sem-razoes.
Não sei como sabia estar
roubando,
Co’os raios, as entranhas,
que fugiam
Para ela pelos olhos,
subtilmente!
Pouco a pouco, invisíveis me
saiam,
Bem como do véu húmido
exalando
Esta o subtil humor o sol
ardente.
O gesto puro, enfim, e
transparente,
Para quemf iça baixo e sem
valia
Este nome de belo e de
formoso;
O doce e piedoso
Mover de olhos, que as almas
suspendia,
Foram as ervas magicas que o
céu
Me fez beber; as quais, por
longos anos,
Nouro ser me tiveram
trnasformado,
E tão contente de me ver
trocado
Que as magoas enganava co’os
enganos;
E diante dos olhos punha o
véu
Que me encobrisse o mal, que
assim cresceu,
Como quem, com afagos se
criava
Daquela para quem crescido
estava.
Pois quem pode pintar a vida
ausente,
Com um descontentar-me
quando via,
E aquele estar tão longe de
onde estava;
O falar sem saber o que
dizia;
Andar sem ver porr onde, e
juntamente
Suspirar sem saber que
suspirava?
Pois quando aquele mal me
atormentava,
E aquela dor que das
tartáreas aguas
Saiu ao mundo, e mais que
todas dói,
Que tantas vezes soi
Duras iras tornar em brandas
magoas?
Agora, co’o furor da magoa
irado,
Querer e não querer deixar
de amar;
E mudar noutra parte, por
vingança,
O desejo, privado de
esperança,
Que tão mal se podia já
mudar?
Agora a saudade do passado,
Tormento puro, doce e
magoado,
Que converter fazia estes
furores
Em goadas lágrimas de
amores?
Que desculpas comigo so
buscava,
Qundo o suave amor me não
sofria
Culpa na cousa amada, e tão
amada!
Eram, enfim, remédios que
fingia
O medo do tormento, que
ensinava
A vida a sustentar-se de
enganada.
Niso uma parte dela foi
passada,
Na qual, se tive algum
conentamento
Breve, imperfeito, tímido,
inocente,
Não foi senão semente
Dum comprido, amaríssimo
tormento,
Este curso contino de
tristeza,
Estes passos vãmente
derramados,
Me foram apagando o ardente
gosto,
Que tão de siso na alma
tinha poso,
Daqueles pensamentos
namorados
Com que criei a tenra
natureza,
Que, do longo costume da
aspereza,
Conra quem forca humana não
resiste,
Se converteu no gosto de ser
triste.
Desta arte a vida em outra
fui trocando;
Eu não, mas o destino fero,
irado,
Que eu inda assim, por outra
a não trocara.
Fez-me deixar o pátrio ninho
amado,
Passando o longo mar, que
ameaçando
Tantas vezes me esteve a
vida cara.
Agora experimentando a fúria
rara
De Marte, que nos olhos quis
que logo vissee e tocasse o acerbo fruto seu
( e neste escudo meu
a pintura verão do infesto
fogo);
agora peregrino, vago,
errante,
vendo nacoes, linguagens e
costumes,
céus vários, qualidades
diferentes,
so por seguir com passos
diligentes
a ti, fortuna injusta, que
consumes
as idades, levando-lhes
diante
uam esperança em vista de
diamante,
mas, quando das mãos cai, se
conece
que e frágil vidro aquilo
que aparece.
A piedade humana me faltava,
A gente amiga já contraria
via,
No perigo primeiro; e no
segundo,
Terra em que por os pés me
falecia,
Ar para respirar se me
negava,
E faltava-me, enfim, o tempo
e o mundo.
Que segredo tão árduo e tão
profundo:
Nascer para viver, e para a
vida
Faltar-me qaunto o mundo tem
para ela!
E não poder perde-la,
Estando tantas vezes já
perdida!
Enfim, não houve trance de
fortuna,
Nem perigos, nem casos
duvidosos,
Injustiças daqueles que o
confuso
Regimento do mundo, antigo
abuso,
Faz sobre os outros homens
poderosos,
Que eu não passasse, atado a
fiel coluna
do sofriment meu, que a
importuna
Perseguicao de males em
pedaços
Mil vezes fez, a forca de
seus braços.
Não conto tanto os males
como aquele
Que, depois da tormenta
procelosa,
Os casos dela conta em porto
ledo;
Que inda agora a fortuna
flutuossa
A tamanhas misérias me
compele
Que de dar um so passo tenho
medo
Já de mal que me venha não
me arredo,
Nem bem que me faleça já
pretendo,
Que para mim não vale
astúcias humana;
Da forca soberana
Da providencia, enfim,
divina pendo.
Isto que cuido e vejo, as
vezes tomo
Para consolacao de tantos
danos.
Mas a fraqueza humana,
quando lança
Os olhos no que corre, e não
alcança
Senão memoria dos passados
abnos,
As aguas que então bebo e o
pão que como
Lágrimas tristes são, que eu
nunca domo,
Senão com fabricar na
fantasia
Fantásticas pinturas de
alegria.
Que, se possível fosse que
tornasse
O tempo para trás, como a
memoria,
Por os vestígios da primeira
idade,
E, de novo tecendo a antiga
historia
De meus doces errores, me
levasse
Por as flores que vi da
mocidade;
E a lembrança da longa
saudade
Então fosse maior
contentamento,
Vendo a conversacao leda e
suave
Onde uma e outra chave
Esteve de meu novo
pensamento,
Os campos, as passadas, os
sinais,
A vista, a neve, a rosa, a
formusora,
A graça, a mansidão, a
cortesia,
A singela amizade, que
desvia
Toda a baixa tencao,
terrena, impura,
Como a qual outra alguma não
vi mais…
Ah! Vas memorias! Onde me
levais
O débil coracao, que inda
não posso
Domar bem este vão desejo
vosso?
Não mais, cancao, não mais;
que irei falando,
Sem o sentir, mil anos. E se
acaso
Te culparem de larga e
depesada,
Não pode ser, lhe dize,
limitada
A agua do mar em tão pequeno
vaso.
Nem eu delicadezas vou
cantando
Co’o gosto do louvor, mas
explicando
Puras verdades já por mim
passadas.
Oxalá foram fabulas
sonhadas!
FRANCISCO RODRIGUES LOBO
Formou-se em direito, em
Coimbra, tendo cultivado vários géneros literários, tais com a novela, o
«romance» em verso, o poema épico, a epistologia, etc. principalmene nas
composicoes em verso, atingiu uma alta perfeicao de forma, numa sabia
conjugacao da frase de sabor popular com a de estilo culto, que leh dão um
lugar de mestre pintor da natureza e de artisa da xpressao literária.
CANTIGA
Descalça vai para a fonte
Leanor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
A talha leva pedrada,
Pucarinho de feicao,
Saia de cor de limão,
Beailha soqueixada;
Cantando de madrugada
Pisa as flores na verdura:
Vai fermosa, e não segura.
Leva na mão a rodilha
Feita da sua oalha,
Com uma sustenta a talha,
Ergue com outra a fraldilha;
Mosra os pés por maravilha,
Que a neve deixam escura:
Vai fermosa, e não segura.
As flores por onde passa,
Se o pe lhe acerta de por,
Ficam de inveja sem cor
E de vergonha com graça;
Qualquer pegada que faca
Faz lorescer a verdura:
Vai fermosa, enao segura.
Não na ver o sol lhe val
Por não ter novo inimigo,
Mas ela corre perigo
Se na fonte se ve tal;
Descuidada deste mal
Se vai ver na fonte pura:
Vai fermosa, e não segura.
MANUEL MARIA BARBOSA DU
BOCAGE
Nasceu em setubbal e andou
pelo oriente, como camões, com quem cotejou a sua vida e desgraças. A época em
que viveu não lhe foi propicia a realizacao de uma obra isenta dum verbalismo
convencional e retórico, que hoje nos soa falso e risível.
Apesar de tudo, os seus
sonetos são duma perfeicao formal que so alguns grandes poetas alcançaram.
Já sobre o coche de ébano
estrelado
Deu meio giro a noie escura
e feia;
Que profundo silencio me
rodeia
Neste deserto bosque, a luz
vedado!
Jaz entre as folhas zéfiro
abafado,
O Tejo adormeceu na lisa
areia;
Nem o mavioso rouxinol
gorjeia,
Nem pia o mocho, as trevas
costumado.
So eu velo, so eu, pedindo a
sorte
Que o fio, com que esta
minha alma presa
A vil matéria lânguida, me
corte.
Consola-me este horror, esta
triseza,
Porque a meus olhos se
afigura a morte
No silencio total da
natureza.
Triste qeum ama, cego quem
se fia
Da feminina voz na va
promessa!
Aspira a ve-la estável! Mais
depressa
O facho apagara, que espalha
o dia.
Alada exalacao, que na
sombria,
Tacita noite os ares
atravessa,
Foi comigo a paixão volúvel
dessa,
Que o peito me afagava, e me
feria.
Do desengano o bálsamo lhe
aplico,
E a teus laços, amor, sem
medo exponho
Dos benficos céus o dom mais
rico.
Vejo mil circes plácido,
risonho;
E se fe me prometem, ouço, e
fico
Como quem despertou de aéreo
sonho.
Fiei-me nos sorrisos da
ventura,
Em mimos feminis, como fui
louco!
Vi raiar o prazer, porem,
tão pouco
Momentâneo relâmpago não
dura:
No meio agora desta selva
escura,
Dentro deste penedo húmido,
e oco,
Pareço, ate no tom lúgubre,
e rouco,
Triste sobra a carpir na
sepultura.
Que estancia para mim tão
própria e esta!
Causais-me um doce e fúnebre
transporte,
Áridos matos, lobrega
floresta!
Ah! Não me roubou tudo a
negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda
me resta
O pranto, a queixa, a
solidão, e a morte.
Meu ser evaporei na lida
insana
Do ropel das paixões que me
arrastava,
Ah! Cego eu cria, ah! Mísero
eu sonhava
Em mim, quase imortal, a
essência humana!
De que inúmeros sois a mente
ufana
A existência falaz me não
doirava!
Mas eis sucumbe a natureza
escrava
Ao mal, que a vida em sua
origem dana.
Prazeres, sócios meus e meus
tiranos,
Esta alma, que sedenta em si
não coube,
No abismo vos sumiu dos
desenganos.
Deus… o grande deus! Quando
a morte a luz me roube,
Ganhe um momento o que
perderam anos,
Saiba morrer o que viver não
soube!
ANTERO DE QUENTAL
Em Coimbra se bracharelou em
direito, e ai o seu talento e o vigor da sua inteligência o tornaram o mestre e
mentor de grupo de homens notáveis com quem conviveu. Eça de queirós
chamou-lhe: «um génio que era um santo.»
A inquietacao metafísica e a
vontade de uma accao social teórico, a quem uma constante duvida anulava a
continuidade necessária. «a natureza em mim e conservadora, so o espírito e que
e revolucionário.» Antero oscila entre o ideal de uma grande fe nos homens e o
desalento perante um mundo absurdo. Mas logo a sua consciência se revolta e
ergue a bandeira de uma nova filosofia.
Se o ideologia filosófica e
social não pode ser separada da obra poética de Antero, podemos, no entanto,
dizer que não e o pensador que hoje se nos impõe, mas so o poeta de génio.
DESPONDENCY
Deixa-la ir, a ave, a qeum
roubaram
Ninho e ilhós e tudo, sem
piedade…
Que a leve o ar sem fim da
soledade
Onde as asas partidas a
levaram…
Deixa-la ir, a vela que
arrojaram
Os tufões pelo mar, na
escuridade,
Quando a noite surgiu da
imensidade,
Quando os ventos do sul se
levantaram….
Deixa-la ir, a alma
lastimosa,
Que perdeu fe e paz e
confianca,
A morte queda, a morte
silenciosa…
Deixa-la ir, a nota
desprendida
Dum canto extremo… e a
ultima esperança…
E a vida… e o amor… deixa-la
ir, a vida!
AMARITUDO
So por ti, astro ainda e
sempre oculto,
Sombra do amor e sonho da
verdade,
Divago eu pelo mundo e em
ansiedade
Meu próprio coracao em mim
sepulto.
De templo em templo, em vão,
levo o meu culto,
Levo as flores duma intima
piedade.
Vejo os votos da minha
mocidade
Receberem somente escárnio e
insulto.
A beira do caminho me
assentei…
Escutarei passar o agreste
vento,
Exclamado: assim passe
quanto amei!
O minha alma, que creste na
virtude!
O que será velhice e
desalento,
Se isto se chama aurora a
juventude?
SEPULTURA ROMANTICA
Ali, onde o mar quebra, num
cachão
Rugidor e monótono, e os
ventos
Erguem pelo areal os seus
lamentos,
Ali se há-de enterrar meu
coracao.
Queimem-no os sois da dusta
solidão
Na fornalha do estio, em
dias lentos;
Depois, no Inverno, so
sopros violentos
Lhe revolvam em torno o
árido chão…
Ate que se desfaça e, já
tornado
Em impalpável po, seja
levado
Nos turbilhões que o vento
levantar…
Com suas lutas, seu cansado
anseio,
Seu louco amor, dissolva-se
no seio
Desse infecundo, desse
amargo mar!
TORMENTO DO IDEAL
Conheci a beleza que não
morre
E fiquei triste. Como quem
da serra
Mais alta que haja, olhando
aos pés a terra
E o mar, ve tudo, a maior
nau ou torre.
Minguar, fundir-se, sob a
luz que jorre:
Assim eu vi o mundo e o que
ele encerra
Perder a cor, bem como a
nuvem que erra
Ao por do sol e sobre o mar
discorre.
Pedindo a forma, em vão, a
ideia pura,
Tropeço, em sombras, na
matéria dura,
E encontro a imperfeicao de
quanto existe.
Recebi o baptismo dos
poetas,
E, assentado entre as formas
incompletas,
Para sempre fiquei pálido e
triste.
NOCTURNO
Espírito que passas, quando
o vento
Adormece no mar e surge a
lua,
Filho esquivo da noite que
flutua,
Tu so entendes bem o meu
tormento…
Como um canto longiquo –
triste e lento –
Que voga subtilmente se
insinua,
Sobre o meu coracao, que
tumultua,
Tu vertes pouco a pouco o
esquecimento…
A ti confio o sonho em que
me leva
Um instinto de luz, rompendo
a treva,
Buscando, entre visões, o
eterno bem.
E tu entendes o meu mal sem
nome,
A febre de ideal, que me
consome,
Tu so, génio da noite, e
mais ninguém!
A VIRGEM SANTISSIMA
Num sonho todo feito de
incerteza,
De nocturna e indizível
ansiedade,
E que eu vi teu olhar de
piedade
E (mais que piedade) de
tristeza…
Não era o vulgar brilho da
beleza,
Nem o ardor banal da
mocidade…
Era outra luz, era outra
suavidade,
Que ate nem sei se as há na
natureza…
Um místico sofrer… uma
ventura
Feita so do perdão, so de
ternura
E da paz da nossa hora
derradeira…
O visão, visão triste e
piedosa!
Fita-me assim calada, assim
chorosa…
E deixa-me sonhar a vida
inteira!
NA MAO DE DEUS
Na mão de deus, na sua mão
direita,
Descansou afinal meu
coracao.
Do palácio encantado da
ilusão
Desci a passo e passo a
escada estreita.
Como as flores mortais, com
que se enfeita
A ignorância infantil,
despojo vão,
Depus do ideal e da paixão
A forma transitória e
imperfeita.
Como criança, em lobrega
jornada,
Que a mãe leva no colo
agasalhada
E atravessa, sorrindo
vagamente,
Selvas, mares, areias do
deserto…
Dorme o teu sono, coracao
liberto,
Dorme na mão de deus eternamente!
O CONVERTIDO
Entre os filhos dum século
maldito
Tomei também lugar na ímpia
mesa,
Onde, sob o folgar, geme a
tristeza
Duma ânsia impotente de
infinito.
Como os outros, cuspi no
altar avito
Um rir feito de fel e de
impureza…
Mas um dia abalou-se-me a
firmeza,
Deu-me rebate o coracao
contrito!
Erma, cheia de tédio e de
quebranto,
Rompendo os diques ao
represo pranto,
Virou-se para deus minha
alma triste!
Amortalhei na fe o
pensamento,
E achei a paz na inércia e
esqeucimento…
So me falta saber se deus
existe!
MORS-AMOR
Esse negro corcel, cujas
passadas
Escuto em sonhos, quando a
sombra desce,
E, passando a galope, me
aparece
Da noite nas fantásticas
estradas,
Donde vem ele? Que regiões
sagradas
E terríveis cruzou, que
assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe
estremece
Não sei que horror nas
crinas agitadas?
Um cavaleiro de expressão
potente,
Formidável, mas plácido, no
porte,
Vestido de armadura
reluzente,
Cavalga a fera estranha sem
temor:
E o corcel negro diz:«eu sou
a morte!»
Responde o cavaleiro:«eu sou
o amor!»
SOLEMNIA VERBA
Disse ao meu coracao: olha
pró quantos
Caminhos vãos andamos!
Considera
Agora, desta altura fria e
austera,
Os ernos que regaram nossos
prantos…
Po e cinzas, onde houve flor
e encantos!
E noite, onde fui luz de primavera!
Olha a teus pés o mundo e
desespera,
Semador de sombras e
quebrantos! –
Porem o coracao, feito
valente
Na escola da tortura
repetida,
E no uso do penar tornado
crente,
Respondeu: desta altura vejo
o amor!
Viver não foi em vão, se e
isto a vida,
Nem foi de mais o desengano
e a dor.
GOMES LEAL
Levou uma vida de literato
boémio, ate acabar na miséria. Colaborou em jornais, publicou poemas
panfletários e satíricos, alcançando uma larga celebridade.
A originalidade de imagenes
e de expressão, ligada a uma profunda forca emocional, dão-lhe um lugar de
relevo entre os grandes líricos portugueses.
A SENHORA DUQEUSA DE
BRABANTE
Tem um leque de plumas
gloriosas
Na sua mão macia e
cintilante,
De anéis de pedras finas
preciosas
A senhora duquesa de brabante.
Numa cadeira de espaldar
doirado,
Escuta os galanteios dos
barões.
- e noite: e, sob o azul
morno e calado,
concebem os jasmins e os
coracoes.
Recorda o senhor bispo
accoes passadas.
Falam damas de jóias e
cetins.
Tratam barões de festas e
caçadas
A moda goda: - aos toques de
clarins.
Mas a duqeusa e triste. –
oculta magoa
Vela seu rosto de um solene
véu.
- ao luar, sobre os tanques
chora a agua…
- cantando, os rouxinóis
lembram o céu…
o que e certo e que e pálida
senhora,
a transcendente dama de brabante,
tem um filho horroroso… e de
quem cora
o pai, no escuro, passeando
errante.
E um filho horroroso e
jamais visto! –
Raquítico, enfezado,
excepcional,
Todo disforme, excêntrico,
malquisto,
- pelos de fera, e uivos de
animal!
Parece irmão dos cerdos e
dos ursos,
Aborto e horror da brava
natureza…
- em vão tentam barões, com
mil discursos,
desenrugar a fronte da
duqeusa.
Sempre a duqeusa e triste. –
oculta magoa
Vela seu rosto de um solene
véu.
- ao luar, sobre os tanques
chora a agua…
- cantando, os rouxinóis
lembram o céu…
ora o monstro morreu. –
pelas arcadas
no palácio retinem festas,
hinos.
Riem nobres, vilões, pelas
estradas.
O próprio pai se ri, ouvindo
os sinos…
Riem-se os monges pelo
claustro antigo.
Riem vilões trigueiros das
charruas.
Riem-se os padres, junto ao
seu jazigo.
Riem-se nobres e peões nas
ruas.
Riem aias, barões, erguendo
os braços.
Riem, nos pátios, os truões
também.
Passeia o duque, rindo, nos
terraços.
- so chora o monstro, em
alto choro, a mãe!...
so, sobre o esquife do
disforme morto,
chora, sem trégua, a mísera
mulher.
Chama os nomes mais ternos
ao aborto…
- mesmo assim feio, a triste
mãe o quer!
So ela chora pelo morto!...
a magoa
Lhe arranca gritos que a
ninguém mais deu!
- ao luar, sobre os tanques
chora a agua…
- cantando, os rouxinóis
lembram o céu…
MISERERE MI!...
Eis-me sentado e so, na rua
da amargura,
Como um mendigo vil, de rota
capa escura,
Sem ter pátria, nem lei.
Desci, mais do que Job, ao
maleiro corruto.
- o pediosa mulher das
trancas cor de luto,
misere mei!...
por teus olhos subtis, mais
raros que as safiras,
as aras polui, fiz a batina
em tiras,
minha estola rasguei.
Agora sou dagon, rei das
dores insondáveis.
-o piedosa mulher dos olhos
admiráveis,
misere mi!...
por teu amor, desci as
trevas lacrimosas.
Por teu amor, vaguei nas
ruínas leprosas.
Por ti uivei, chorei,
Nas gales, hospitais, na
insónia, na demência.
- o piedosa mulher, senhora
da clemência,
misere mei!...
como saul, cruzei as
estradas devassas.
Nso cardos, nos tojais, nas
alfurjas, nas praças,
Os farrapos larguei
Da minha alma sangrenta,
estrelada em martírios.
- o piedosa mulher dos dedos
cor dos lírios,
misere mei!...
por teu amor, desci as
pávidas geenas
dos não ouvidos ais, das não
ouvidas penas,
por ti, eu blasfemei.
Por ti eu me estorci nas
palhas da enxovia…
- o piedosa mulher, flor da
melancolia,
misere mei!...
bradam que te ofendi. – mas
os teus olhos castos
mal conheceram como, as mãos
postas, de rastos,
eu puli e escavei,
com meus prantos de sangue,
as lapas dos retiros.
- o piedosa mulher, senhora
dos suspiros,
misere mei!...
arrastei-me no po das
solidões tisnadas.
No inferno das gales, nas
insónias suadas,
De nostalgia, uivei,
Como o proscrito infeliz,
nos grandes gelos russos.
- o piedosa mulher, senhora
dos soluços,
misere mei!...
o suor empastou meus pávidos
cabelos.
Junto ao leito febril, torvo
de pesadelos,
Pai nem mãe encontrei!
So teu pranto sorvi, nas
angustias agudas…
- o piedosa mulher, mãe das
lágrimas mudas,
misere mei!...
agora, livre enfim dos
ciclos da loucura,
já trnasportado os portais
da babilónia escura,
mais orfao me encontrei.
Orfao, meu deus, de ti, dos
teus ais, teus cuidados…
- o piedosa mulher, mãe dos
abandonados,
misere mei!...
UMA CANCAO DE HILARIO
O vestido de noivado
Da rainha de kachmir
Era a diamantes bordado,
Como luar num terrado!...
Parecia o céu estrelado,
Ou a visão dum faquir
O vestido de noivado
Da rainha de kachmir.
Se e a via láctea, em suma,
Não há olhar que
destrince!...
Nenhuma vista, nenhuma
Jurara se e neve ou pluma,
Se e leite, ou astro, ou
espuma,
Nem o próprio olhar do
lince…
Se e a via láctea, em suma,
Não há olhar que destrice!
Levava, nas mãos patrícias,
Leqye de rendas e sândalo…
Oh! Que mãozinhas… delicias
Para amimar com blandicias,
Para beijar com carícias,
Que adorariam um vândalo…
Levava, nas mãos patrícias,
Leque de rendas e sândalo.
Cor da lua, os sapatinhos
Eram mais subtis que o
leque!...
Seu manto, púrpura e
arminhos,
Não rojava nos caminhos,
Pois sua cauda, aos
saltinhos,
Levava-a um núbio moleque.
Cor da lua, os sapatinhos
Era mais subtis que o leque!
Eis que, no meio da boda,
Entrou um moço estrangeiro…
Calou-se a alegria douda
Da grande assembleia, em
roda!
E a brilhante sala toda.
Fitou o jovem romeiro.
Eis que, no meio da boda,
Entrou um moço estrangeiro…
Pegou no copo, com graça,
E brindou, em língua
estranha…
E a rainha, a vista baca,
Como a um punhal que a
trespassa,
Encheu de prantos a taça,
E o seu lenço de Bretanha…
Chorou baixo, ao ouvir, com
graca,
Esse brinde, em língua
estranha!
Encheu de pranto o vestido,
Encheu de pranto os anéis…
E, sem soltar um gemido,
Chorou, num pranto sumido,
O seu passado perdido,
Os seus amores tão fieis!...
Encheu de pranto o vestido,
Encheu de pranto os anéis.
Quem era o moço viajante
Que fez turbar a rainha?...
Era o seu primeiro amante,
Tão leal e tão constante,
Que, do seu reino distante,
Brindar ao passado vinha…
Tal era o moço viajante,
Que fez turbar a rainha.
Saudades de amor quebrado
Fazem lágrimas cair!
Por um brinde ao amor
passado,
Ficou de pranto alagado
O vestido de noivado
Da rainha de kachmir.
Saudades de amor quebrado
Fazem lágrimas cair!
CESARIO VERDE
Uma visão da realidade, que,
por tão nítida, transfigura a imagem vulgar, regressando-a a nitidez da origem
e lhe da, ao mesmo tempo, o sentido da mais pura poesia, a aproximacao dos
contrates, como uma iluminacao súbita do pormenor essencial, a naturalidade da
expressão e a aparente frieza que são a consequência da sinceridade e do
profundo sentimento da vida, dão a sua poesia uma verdade e uma originalidade
raramente atingidas, tornando-o um dos grandes mestres da nossa literatura.
O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL
Nas nossas ruas, ao
anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal
melancolia,
Que as sombras, o bulício, o
Tejo, a maresia,
Despertam-me um desejo
absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de
neblina,
O gás extravassado enjoa-me,
perturba;
E os edifícios, com as
chaminés, e a turba,
Toldam-se duma cor monótona
e londrina.
Batem os carros de aluguer,
ao fundo,
Levando a via férrea os que
se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista
exposicoes, países:
Madrid, paris, Berlim, s.
petersburgo, o mundo!
Semelham-se a gaiolas, com
viveiros,
As edificacoes somente
emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das
badaladas,
Saltam de viga os mestres
carpinteiros.
Voltam os calafates, aos
magotes,
De jaquetão ao ombro,
enfarruscados, secos;
Embrenho-me a cismar, por
boqueiros, por becos,
Ou erro pelo cais a que se
atracam botes.
E evoco, então, as crónicas
navais:
Mouros, baixeis, heróis,
tudo ressuscitado!
Luta camões no mar, salvando
um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu
não verei jamais!
E o fim da tarde inspira-me;
e incomoda!
De um couraçado inglês vogam
os escaleres;
E em terra num tinir de
loucas e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns
hotéis da moda.
Num trem de praça arengam
dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja
numas andas;
Os querubins do lar flutuam
nas varandas;
As portas, em cabelo,
enfadam-se os lojistas!
Vazam-se os arsenais e as
oficinas;
Reluz, viscoso, o rio;
apressam-se as obreiras;
E num cardume negro,
hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza,
assomam as varinas.
Vem sacudindo as ancas
opulentas!
Seus troncos varonis
recodam-se pilastras;
E algumas, a cabeça, embalam
nas canastras
Os filhos que depois
naufragam nas tormentas.
Descalças! Nas descargas do
carvão,
Desde manha a noite, a bordo
das fragaas;
E apinham-se num bairro
aonda miam gatas,
E o peixe podre gera os
focos de infeccao!
NOITE FECHADA
Toca-se as grades nas
cadeias. Som
Que mortifica e deixa umas
loucuras mansas!
O aljube, em que hoje estão
velhinhas e crianças,
Bem raramente encerra uma
mulher de «dom»!
E eu desconfio, ate, de um
aneurisma
Tão mórbido me sinto, ao
acender das luzes;
A vista das prisões, da
velha se, das cruzes,
Chora-me o coracao que se
enche e que se abisma.
A espaços, iluminam-se os
andares,
E as tascas, os cafés, as
tendas, os estancos;
Alastram em lençol os seus
reflexos brancos;
E a lua lembra o circo e os
jogos malabres.
Duas igrejas, num saudoso
largo,
Lançam a nódoa negra e
fúnebre do clero:
Nelas esfumo um torvo
inquisidor severo,
Assim que pela historia eu
me aventuro e alargo.
Na parte que abateu no
terramoto,
Muram-me as construcoes
rectas, iguais, crerscidas;
Afrontam-me, no resto, as
íngremes subidas,
E os sinos de um tanger
monástico e devoto.
Mas, num recinto publico e
vulgar,
Com bancos de namoro e
exíguas pimenteiras,
Brônzeo, monumental de
proporcoes guerreiras,
Um épico de outrora ascende,
num pilar!
E eu sonho o cólera, imagino
a febre,
Nesta acumulacao de corpos
enfezadods;
Sombrios e espectrais
recolhem os soldados;
Inflama-se um palácio em
face de um casebre.
Partem patrulhas de
cavalaria
Dos arcos dos quartéis que
foram já conventos;
Idade media! A pe, outras, a
passos lentos,
Derramam-se por toda a
capital, que esfria.
Triste cidade! Eu temo que
me avives
Uma paixão defunta! Aos
mapioes distantes,
Enlutam-me, alvejando, as
tuas elegantes,
Curvadas a sorrir as montras
dos ourives.
E mais: as costureiras, as
floristas
Descem dos magasins,
cusam-me sobressaltos;
Custas-lhes a elevar os seus
pescoços altos
E muitas delas são comparsas
ou coristas.
E eu, de luneta de uma lente
so,
Eu acho sempre assunto a
quadros revoltados:
Entro na brasseire; as mesas
de emigrados,
Ao riso e a cruz luz joga-se
o domino.
AO GAS
E saio. A noite pesa,
esmaga. Nos
Passeios de lajedo
arrastam-se as impuras.
O moles hospitais! Sai das
embocaduras
Um sopro que arrepia os
ombros quase nus.
Cercam-me as lojas, tépidas.
Eu penso
Ver círios laterais, ver
filas de capelas,
Com santos e fieis, andores,
ramos, velas,
Em uma catedral de um
comprimento imenso.
As burguesinhas do
catolicismo
Resvalam pelo chão minado
pelos canos;
E lembram-me, ao chorar
doente dos pianos,
As freiras que os jejuns
matavam de histerismo.
Num cuteleiro, de avental ao
torno,
Um forjador maneja um malho,
rubramente;
E de uma padaria exala-se,
inda quente,
Um cheiro salutar e honeso a
pão no forno.
E eu que medito um livro que
exacerbe,
Quisera que o real e a
analise mo dessem;
Casas de confeccoes e modas
resplandecem;
Pelas vitrines olha um
ratoneiro imberbe.
Longas descidas! Não poder
pintar
Com versos magistrais,
salubres e sinceros,
A esguia difusão dos vossos
reverberos,
E a vossa palidez romântica
e lunar!
Que grande cobra, a lúbrica
pessoa,
Que, espartilhada, escolhe uns
xales com debuxo!
Sua excelência atrai,
magnética, entre luxo,
Que ao longo dos balcões de
mogno se amontoa.
E aquela velha, de bandos!
Por vezes,
A sua traine imita um leque
antigo, aberto,
Nas barras verticais, a duas
tintas. Perto,
Escarvam, a vitoria, os seus
meclemburgueses.
Desdobram-se tecidos
estrangeiros;
Plantas ornamentais secam
nos mostradores:
Flocos de pos de arroz paira
sufocadores,
E em nuvens de cetins
requebram-se os caixeiros.
Mas tudo cansa! Apagam-se
nas frentes
Os candelabros, como
estrelas, pouco a pouco;
Da solidão regouga
umcauteleiro rouco;
Tornam-se mausoléus as
armacoes fulgentes.
«do da miséria!... compaixão
de mim!...»
e, nas esquinas, calvo,
eterno, sem repouso,
pede-me sempre esmola um
homenzinho idoso,
meu velho professor nas
aulas de latim!
HORAS MORTAS
O tecto fundo de oxigénio,
de ar,
Estende-se ao comprido, ao
meio das trapeiras:
Vem lágrimas de luz dos
astros com olheiras,
Enleva-me a quimera azul de
transmigrar.
Por baixo, que portões! Que
arruamentos!
Um parafuso cai nas lajes,
as escuras,
Colocam-se taipais, rangem
as fechaduras,
E os olhos dum caleche
espantam-me, asangrentos.
E eu sigo, como as linhas de
uma pauta
A dupla correnteza augusta
das fachadas;
Pois sobem, no silencio,
infaustas e trinadas,
As notas pastoris de uma
longiqua flauta.
Se eu não morresse, nunca! E
eternamente
Buscasse e conseguisse a
perfeicao das cousas!
Esqueço-me a prever
castíssimas esposas,
Que aninhem em mansões de
vidro transparente!
O nossos filhos! Que de
sonhos ágeis,
Pousando, vos trarão a
nitidez as vidas!
Eu quero as vossas mães e
irmãs estremecidas,
Numas habitacoes
translúcidas e frágeis.
Ah! Como a raça ruiva do
porvir,
E as frotas dos avos, e os
nómadas ardentes
Nos vamos explorar todos os
continentes
E pelas vastidões aquáticas
seguir!
Mas se vivemos, os
emparedados,
Sem arvores, no vale escuro
das muralhas!...
Julgo avistar, na treva, as
folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir
estrangulados.
E nestes nebulosos
corredores
Nauseiam-me, surgindo, os
ventres das tabernas;
Na volta, com saudade, e aos
bordos sobre as pernas,
Cantam, de braço dado, uns
tristes bebedores.
Eu não receio, todavia, os
roubos;
Afastam-se a distancia, os
dúbios caminhantes;
E sujos, sem ladrar, ósseos,
febris, errantes,
Amareladamente, os cães
parecem lobos.
E os guardas, que revistam
as escadas,
Caminham de lanterna e
servem de chaveiros;
Por cima, as imorais, nos
seus roupões ligeiros,
Tossem, fumando, sobre a
pedra das sacadas.
E, enorme, nesta massa
irregular
De prédios sepulcrais, com
dimensões de montes,
A dor humana busca os amplos
horizontes,
E tem mares de fel como um
sinistro mar!
ANTONIO NOBRE
O poder de evocacao
sentimental, numa atitude subjectiva e quase doentia, a revolta passiva contra
a vida, o tom elegiaco mas contido numa linguagem simples, de monologo ou
dialogo intimo, a doçura e a violência expressas com um vigor que lhe vem da
liberdade de construcao do verso e duma perfeita adequacao aos temas, dão uma
excepcional emocao e poder de comunicacao a este poeta, um dos grandes
renovadores do nosso lirismo.
ANTONIO
Que noite de Inverno! Que
frio, que frio!
Gelou meu carvão:
Mas boto-o a lareira, tal
qual pelo estio,
Faz sol de verão!
O velha Carlota! Tivesse-te
ao lado,
Contavas-me historias:
Assim… deseenterro, do val
do passado,
As minhas memorias.
Moreno coveiro, tocando
viola,
A rir e a cantar!
Empresta, bom homem, a tua
sachola,
Eu quero cavar:
Erguei-vos, defuntas! Da
tumba que alveja
Qual lua, a distancia!
Visões enterradas no adro da
igreja
Branquinha, da infância.
La vem a Carlota que embala
uma aurora
Nos braços , e diz:
«meu lindo menino, que nossa
senhora
o faca feliz!»
e antónio crescendo, são
zinho e perfeito,
feliz que vivia!
(e a dor, que morava com ele
no peito,
com ele crescia…)
mas foi a uma festa, vestido
de anjinho,
que fado cruel!
E a antónio calho-çlhe
levar, coitadinho!
A esponja do fel…
A tia Delfina, velhinha tão
pura,
Dormia a meu lado
E sempre rezava por minha
ventura…
E sou desgraçado!
E eu ia as novenas, em
tardes de Maio,
Pedir ao senhor:
E, ouvindo esses cantos,
tremia em desmaio,
Mudava de cor!
E a mãe-madrinha, do tempo
da guerra
A mail-os franceses,
Quando ia ao confesso, a
ermida d serra,
Levava-me, as vezes.
Santinho como ia, santinho
voltava;
Pecados? Nem um!
E a instancias do padre
dizia (e chorava):
«não tenho nenhum…»
as noites, rezava (e rezo
ainda agora)
ao pe da lareira,
(a chuva gemente caia la
fora,
fervia a chaleira…)
-que deus se amercie das
almas d inferno!
- ámen! Oxalá…
e o moço rosnava, transido
de Inverno:
- que bom la esta!
O sino da igreja tocava, a
tardinha;
Que tristes seus dobres!
Era a hora em que eu ia
provar, a cozinha,
O caldo dos pobres…
O velhas criadas! Na roca
fiando,
Nos lentos seroes:
Corujas piando, farrusca
ladrando
Com medo aos ladroes!
O ze do telhado morara ali
perto:
A riste viúva
A nossa casa ia pedir, era
certo,
Em noites de chuva…
O feira das uvas! Em tardes
de calma…
(o tempo voou!)
pediam-me os pobres «esmola
pela alma
que deus lhe levou!»
e havia-os com gota, e
havia-os herpéticos,
mostrando a gangrena!
E mais, e ceguinhos, mas era
dos éticos
Que eu tinha mais pena…
Chegou uma carta tarjada: a
estampilha
Bastou-me enxergar…
Coitados daqueles que perdem
a filha,
Sobre aguas do mar!
O tardes de Outono, com
fontes carpindo
Entre erva sedenta!
Os cravos a abrirem, a lua
aspergindo
Luar, agua benta…
Ao dar meia-noite no cuco da
sala,
Batiam:«truz-truz!»
E o avo que dormia,
quietinho na vala,
Entrava, Jesus!
Nas sachas de Junho, ninguém
se batia
Com nosso caseiro:
Que espanto, pudera! Se da
freguesia
Ele era o coveiro…
Morria o mais velho dos
nossos criados,
Que pena! Que do!
Pedi-lhe, tremendo, fizesse
recados
A alminha da avo…
O banzas dos rios, gemendo
descantes
E fados do mundo!
O aguas falantes! O rios
andantes,
Com eiras no fundo!
Trepava as figueiras
cheiinhas de figos
Como astros no céu:
E em baixo, aparando-os,
erguiam mendigos
O roto chapéu…
O lua encantada no fundo do
poço,
Moirinha da magoa!
O balde descia, quimeras de
moço!
Trazia so agua.
Meus versos primeiros estão
no adro, ainda,
Escritos na cal:
Cantavam aquela que e a rosa
mais linda
Que tem Portugal!
A lua e ceifeira que, as
noites, ensaia
Bailados na terra!
Luar e caleiroque, pálido,
caia
Ermidas da serra…
O conde da lixa sabia o
horácio,
Tintim por tintim!
E dava-me, a noite,
passeando em palácio,
Licao de latim.
E entrei para a escola, meu
deus! Quem me dera
Nessa hora da vida!
Usava uma blusa, que linda
que era!
E tranca comprida…
Os outros rapazes furtavam
os ninhos
Com ovos a abrir;
Mas eu mercava-lhes os bons
passarinhos,
Deixava-os fugir…
Os presos, as grades da
triste cadeia,
Olhavam-me em face!
E eu ia a pousada do guarda
da aldeia
Pedir que os soltasse…
E quando um malvado moía a
chibata
Um filho, ou assim,
Corria a seus braços,
gritando:«não bata!
Bata antes em mim…»
E quando dobrava na terra
algum sino
Pr velho, ou donzela,
A meu pai rogavam «deixasse
o menino
Pegar a uma vela…»
Enterros de anjinhos! Oh
dores que trazem
Aos tristes casais!
Há doces, há vinho, senhores
que fazem
Saúdes aos pais…
A prima doidinha por montes
andava,
A lua, em vigília!
Olhai-me, doutores! Há
doidos, há lava,
Na minha família…
E os anos correram, e os
anos cresceram,
Com eles cresci:
Os sonhos que tinha, meus
sonhos… morreram,
So eu não morri…
Fui vendo que as almas não
eram no mundo
Singelas e francas:
A minha, que o era, ficou
num segundo
Cheiinha de brancas!
Fiuei pobrezinho, fiquei sem
quimeras,
Tal qual Pedro-sem,
Que teve fragatas, que teve
galeras,
Que teve e não tem…
Vieram as rugas, nevou-me o
cabelo
Qual musgo na rocha…
Fiquei para sempre sequinho,
amarelo,
Que nem uma tocha!
E a velha Carlota,
revendo-me agora
Tão pálido, diz:
«meu pobre menino! Que nossa
senhora
fez tão infeliz…»
DE «O DESEJADO»
O senhora d’altas esferas!
Castela da sminhas quimeras!
O meu amor!
Amor místico, amor ceeleste
Que tu pelo natal me deste,
Senhor! Senhor!
Sou forte agora, e temeroso,
Sou um rei todo-poderoso,
Senão olhai!
So diante de ti me humilho
Senhor! Senhor! Sou teu
filho
E tu meu pai!
Venham armadas de Inglaterra
Venham as naus de toda a
terra,
De todo o mar!
Que eu so por entre elas e o
oceano,
Na minha nau a todo o pano,
Hei-de passar!
Venha o exercito da
Alemanha,
Mais seus aliados, mais a
Espanha,
Hei-de vencer!
Tu es grande, es forte,
Guilherme!
Tu es um mundo, eu sou um
verme…
Vamos a ver!
Venha uma imensa tempestade,
Caiam raios sobre a cidade,
Venham trovões!
Que eu irei so para as
janelas,
Sem santa barbara, sem
velas,
Sem oracoes!
Soldados de alsácia e
lorena!
(a bela franca assim mo
ordena)
vamos! Então?
Atirai balas aos meus
peitos,
Que eu apanho-as, como
confeitos,
Na minha mão!
Venham filósofos, doutores,
Venha spinoza, outros
maiores,
Gregos, judeus;
Venham estóicos,
pessimistas,
Cínicos, os positivisas…
Eu creio em deus!
O morte, minha amiga de
outrora
Que fazes ai, há mais de uma
hora!
Queres-me? Ah sim?
Cortei as relacoes contigo
Oh vai-te! Já não sou teu
amigo,
Nem tu de mim!
O luís de camões e da
esperança!
Ao pe de ti sou uma criança,
Mas ouve ca.
Vamos cantar ao desafio,
A sua janela sobre o rio,
Ver qual mais da…
O troveiros de toda a parte,
d. Pedro!, d. Dinis!, d.
Duarte!
O que sois vos?
Minha lira e do seu cabelo,
E os meus versos, quereis
sabe-lo?
São a sua voz!
O vento cantante do norte!
Minha lira agreste e mais
forte
Do que a tua!
Vinde todos, troveiros do
ar,
Em desafio comigo a cantar
Por essa rua!
CAMILO PESSANHA
Formou-se em direito, em Coimbra. Passou
quase toda a sua vida em Macau, reflectindo-se na sua obra o que do oriente e
vago e sonho e longiqua melopeia indefinível. Artista de estranha
sensibilidade, teve uma grande influencia na moderna poesia portuguesa.
AO LONGE OS BARCOS DE FLORES
So, incessante, um som de
flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão
tranquila,
- perdida voz que de entre
as mais se exila,
- festões de som dissimulado
a hora.
Na orgia, ao longe, que em
clarões cintila
E os lábios, branca, do
carmim desflora…
So, incessante, um som de
flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão
tranquila.
E a orquestra? E os beijos?
Tudo a noite, fora
Cauta, detem. So modulada
trila
A flauta flebil… quem há-de
remi-la?
Quem sabe a dor que sem
razão deplora?
So, incessante, um som de
flauta chora…
Chorai arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo…
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos…
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro…
Que ruínas (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
Trémulos astros…
Soidoes lacustres…
- lemes e mastros…
e os alabastros
dos balaustres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo…
- chorai arcadas,
despedaçadas,
do violoncelo.
Ao meu coracao um peso de
ferro
Eu hei-de prender na volta
do mar.
Ao meu coracao um peso de
ferro…
Lança-lo ao mar.
Quem vai embarcar, que vai
degredado…
As penas do amor não queira
levar…
Marujos, erguei o cofre
pesado,
Lançai-o ao mar.
A sete chaves – a carta
encantada!
E um lenço bordado… esse
hei-de o levar,
Que e para o molhar na agua
salgada
No dia em que enfim deixar
de chorar…
Floriram por engano as rosas
bravas
No Inverno: veio o vento
desfolha-las…
Em que cismas, meu bem?
Porque me calas
As vozes com que há pouco me
enganavas?
Castelos doidos! Tão cedo
caístes!...
Onde vamos, alheio o
pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos,
que um momento
Perscrutaram nos meus, como
vão tristes!
E sobre nos cai nupcial a
neve,
Surda, em triunfo, pétalas,
de leve
Juncando o chão, na acrópole
de gelos…
Em redor do teu vulto e como
um véu!
Quem as esparze – quanta
flor - , do céu,
Sobre nos dois, sobre os
nossos cabelos?
Depois da luta e depois da
conquista
Fiquei so! Fora um acto
antipático!
Deserta a ilha, e no lençol
aquático
Tudo verde, verde – a perder
de vista.
Porque vos fostes, minhas
caravelas,
Carregadas de todo o meu
tesoiro?
- longas teias de luar de
lhama de oiro,
legendas a diamantes das
estrelas!
Quem vos desfez, formas
inconsistentes,
Por cujo amor escalei a
muralha,
- leão armado, uma espada
nos dentes?
Felizes vos, o mortos da
batalha!
Sonhais, de costas, nos
olhos abertos
Reflectindo as estrelas,
boquiabertos…
TEIXEIRA DE PASCOAES
Uma das principais
características da sua poesia e um panteísmo místico em que o tom elegiaco toma
a forma dum lirismo metafísico. Na linha da tradicao dos nossos melhores poetas
bucólicos e saudosistas, o que podemos chamar a sua intuicao cósmica eleva-o,
por vezes, a uma alta espiritualidade.
ELEGIA DO AMOR
Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para longe do povo
Alegre e dos casais,
Onde so deus pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu levavas, na mão,
Um lírio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu, triste, meditava
Na vida, em deus, em ti…
E, alem, o sol doirado
Morria, conhecendo
A noite que deixava.
Harmonias astrais
Beijavam teus ouvidos;
Um crespusculo terno
E doce diluía,
Na sombra, o teu perfil
E os montes doloridos…
Erravam, pelo azul,
Cancoes do fim do dia.
Cancoes que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia, na memoria…
Assim o que partiu,
Em frágil caravela,
E andou por todo o mundo,
Traz, no seu coracao,
A imagem do que viu.
Olhavas para mim,
As vezes, distraída,
Como quem olha o mar,
A tarde, dos rochedos…
E eu ficava a sonhar,
Qual névoa adormecida,
Quando o vento também
Dorme nos arvoredos.
Olhavas para mim…
Meu corpo rude e bruto
Vibrava, como a onda
A alar-se em nevoeiro.
Olhavas, descuidada
E triste... ainda hoje
escuto
A musica ideal
Do teu olhar primeiro!
Ouço bem a tua voz,
Vejo melhor teu rosto
No silencio sem fim,
Na escuridão completa!
Ouço-te em minha dor,
Ouço-te em meu desgosto
E na minha esperança
Eterna de poeta!
O sol morria, ao longe;
E a sombra da tristeza
Velava, com amor,
Nossas doridas frontes.
Hora em que a flor medita
E a pedra chora e reza,
E desmaiam de magoa
As cristalinas fntes.
Hora santa e perfeita,
Em que íamos, sozinhos,
Felizes, através
Da aldeia muda e calma,
Mãos dadas, a sonhar,
Ao longo dos caminhos…
Tudo, em volta de nos,
Tinha um aspecto de alma.
Turo era sentimento,
Amor e piedade.
A folha que tombava,
Era alma que subia…
E, sob os nossos pés,
A terra era saudade,
A pedra comocao
E o po melancolia.
Falavas duma estrela
E deste bosque em flor;
Dos ceguinhos sem pão,
Dos pobres sem um manto.
Em cada tua palavra,
Havia etérea dor;
Por isso, a tua voz
Me imprssionava tanto!
E punha-me a cismar
Que eras tão boa e pura,
Que, muito em breve, sim!
E chamaria o céu!
E soluçava, ao ver-te
Alguma sombra escura,
Na fronte, que o luar
Cobria, como um véu.
A tua palidez
Que medo me causava!
Teu corpo era tão fino
E leve (o meu desgosto!)
Que eu tremia, ao sentir
O vento que passava!
Caia-me, na alma,
A neve do teu rosto.
Como eu ficava mudo
E triste, sobre a terra!
E uma vez, quando a noite
Amortalhava a aldeia,
Tu gritaste, de susto,
Olhando para a serra:
- que incêndio! E eu, a rir,
disse-te: - e a lua
cheia!...
e sorriste também
do teu engano. A lua
ergue a branca fronte,
acima dos pinhais,
tão ébria de esplendor,
tão casta e irmã da tua,
que eu beijei, sem querer,
seus raios virginais.
E a lua, para nos,
Os braços estendeu.
Uniu-nos num abraço,
Espiritual, profundo;
E levou-nos assim,
Com ela, ate ao céu…
Mas, ai, tu não voltaste
E eu regressei ao mundo.
Um raio de luar,
Entrando, de improviso,
No meu quarto sombrio,
Onde medito, a sos,
Deixa a tremer, no ar,
Um pálido sorriso,
Um murmúrio de luz
Que lembra a tua voz…
O Outono, que derrama
Ideal melancolia
Nas almas sem amor,
Nos troncos sem folhagem,
Deixa a vibrar, em mim,
Saudosa melodia,
Dolorida cancao,
Que lembra a tua imagem.
A noite, que escurece
Os vales e os outeiros,
E que acende, num bosque,
A vos do rouxinol
E a estrela que protege
E guia os pegureiros;
A lágrima do céu
Ao ver morrer o sol,
Acorda, no meu peito,
Infinda e etera dor,
Que a memoria me traz
A luz do teu olhar…
Tudo de ti me fala,
O meu longiquo amor:
As arvores, a névoa,
Os rouxinóis e o mar.
Se passo por um lírio,
As vezes,distraído,
Chama por mim, dizendo:
«oh! Não te esqueças de
ela!»
diz-mo também, chorando,
o vento dolorido.
Diz-mo a fonte, a cantar,
Diz-mo, a brilhar, a
estrela.
E vejo, em toda a luz,
Teus olhos a fulgir.
Como adivinho, em tudo,
A alma que perdi!
Não encontro uma flor,
Sem o teu nome ouvir.
Não posso olhar o céu,
Sem me lembrar de ti!
Por isso, eu amo o pobre,
O triste e a natureza,
A mãe da humana dor,
Da dor de deus a filha.
Meu coracao, ao pe
Dum pobrezinho, reza;
Canta, ao lado dum ninho,
Ao pe da estrela, brilha.
O meu amor por ti,
Meu bem, minha saudade,
Ampliou-se ate deus,
Os astros alcançou.
Beijo o rochedo e a flor,
A noite e a claridade.
São estes, sobre o mundo,
Os beijos que te dou.
Hás-de senti-los, sim.
Doce mulher de outrora.
O roxo lírio de hoje,
O nuvem actual!
Como dants, teu rosto,
A rosa ainda hoje cora;
Beijo-te, sim, beijando
A rosa virginal.
Teu aspectro divaga
Ao longo dos espaços.
Teu amor, feito luz,
Desce do firmamento.
Se abraço um verde tronco,
Eu sinto, entre os meus
braços,
Teu corpo estremecer,
Como uma flor, ao vento.
Soluça a tua dor
Nas infinitas magoas,
Que, no fumo da tarde,
Eu vejo, alem, subir…
E paira a tua vez
No marulhar das aguas,
No murmúrio que sai
Da spetalas a abrir.
Se os lábios vou molhar
Nas ondas duma fonte,
Queimam meu coracao
Tuas lágrimas salgadas.
E, quando acaricia
O vento a minha fronte,
Eu bem sinto, sobre ela,
As tuas mãos sagradas.
Quando a lua, no Outono,
Envolta em luz funérea,
Morta, vai a boiar
Nas guas do infinito,
Doira meu frio rosto
A palidez aterea,
Que dantes emanava
O teu perfil bendito.
Quando, em manhas de Abril,
Acordo, de repente,
E vejo, no meu quarto,
O sol entrar, sorrindo.
Julgo ver, entre mim,
Teu corpo resplendente,
Tua rança de luz,
Teu gesto suave e lindo.
Descubro-te, mulher,
Da natureza inteira,
Porque entendo a floresta,
A névoa, o céu doirado,
A estrela a arder, no azul,
A lenha, na lareira
E o lírio que, na cruz
Do Outono, esta pregado.
Falas comigo, sim,
Da dor, do bem, de deus…
Repartes o meu pão,
Amor, pelos ceguinhos…
E pelas solidões
Os pobres versos meus,
Como os pobres que vão,
A orar, pelos caminhos.
Es a minha ternura,
A minha piedade,
Pois tudo m ecomove!
O zéfiro mais leve
Acende, no meu peito,
Infinda claridade;
E a brancura do lírio
Enche meu ser de neve.
Todo eu fico a cismar
Na louca voz do vento,
Na atitude serena
E estranha duma serra;
No delírio do mar,
Na paz do firmamento
E na nuvem, que estende
As asas sobre a terra.
Todo eu fico a cismar,
Assim como que esquecido,
Ante a flor virginal
E o sol enamorado…
Ane o luar que nasce,
Ao longe, dolorido,
Dando as couss um ar
Tão triste e macerado.
Todo eu medito e cismo…
Um vago e etéreo laco
Prende-me ao teu imenso
E livre coracao,
Que abrange o mundo inteiro
E ocupa todo o espaço,
E que vai povoar
A minha solidão.
Por isso, eu vivo sempre,
Em doce companhia,
Com o pobre que pede
E a estrela que fulgura;
E assim, a minha alma,
Igual a luz do dia,
Derrama-se, no céu,
Em ondas de ternura.
Sou como a chuva e o vento
E a sombra duma cruz!
Lira, que a mais suave
Aragem faz vibrar…
Agua que, ao luar brando,
Em nuvens se traduz;
Fruto que amadurece,
A luz dum claro olhar…
Pedra que um beijo funde
E místico vapor,
Que um hálito condensa
Em pura gota de agua…
Sou aroma que um ai!
Encarna em triste flor;
Riso que muda em choro
A mais pequena magoa.
Vivo a vida infinita,
Eterna, esplendorosa.
Sou neblina, sou ave,
Estrela, azul sem fim,
So prque, um dia, tu,
Mulher misteriosa,
Pró acaso, talvez,
Olhaste para mim.
POESIA
Quando, entre os pinheirais,
a tarde se incendeia
E um véu de etérea magoa
envolve a minha aldeia,
E tocam as trindades,
Não sei que infindo sonho
aos astros me transporá;
E, sobre a terra viva, a
minha sombra mora,
E feita de saudades.
Que funda comocao, de longe,
me deslumbra!
Cada estrelinha de oiro e um
beijo da penumbra
Que nos meus olhos arde.
Sou lágrima tremendo, ao
vento que perpassa;
Erma névoa de dor, que,
pálida, esvoaça,
Na plaidez da tarde.
Eu sou como um fantasma,
errante e dolorido.
E se uma fonte chora, eu
choro comovido
As lágrimas das cousas.
Sofro a melancolia ideal dos
arvoredos
E a ansiedade do mar batendo
nos penedos,
Pelas manhas brumosas…
O lobos do marão! Poetas
que, a lua, uivais
E arrepiados de frio e fome,
divagais,
Nos cerros de granito!
Como as aves, também adejo,
sobre as casas;
E nos seus ninhos vivo e
tenho as suas asas,
Cansadas do infinito!
Dentro em meu coracao, em
névoa de tristeza,
Comigo, o mundo canta, e
cisma, e chora, e reza,
E sonha o que eu sonhar.
Partiu donde eu parti. E
igual o nosso rumo.
Descendo a cova, irei para
onde vais, o fumo,
Que sobes do meu lar…
POESIA
Ai vem a meia-noie, eram
donzela,
Senhora minha;
Rosa de sombra que, em
botão, e estrela
E, quando desabrocha, e
manhãzinha;
E ao atingir a pelan
puberdade
Voluptuosa,
Despe o traje infantil de
claridade,
Transfigura-se, e e nite
silenciosa.
Ai vem a meia-noite. As
claras fontes
Emudecem num êxtase
profundo.
Ns horizontes,
Pairam magoas e brumas deste
mundo.
E a estranha hora,
Em que o sgredo e o medo se
elevantam.
Nos pinheirais, o vento geme
e chora,
E os sapatos cantam.
E ouço a noite chorar, no
meu jardim,
Tão desolada!
Chora por mim,
A dor, nas coussas mortas,
encantada.
E chora, como as arvores
sentindo
Esse orvalhado alivio das
manhas.
Gotas de fogo liquido,
sorrrindo,
O doce orvalho! O lágrimas
pagas!
Ai vem a meia-noite. O noiva
triste,
De olhar tão sério!
Que e e do teu noivo, dize?
Onde e que existe
O príncipe da sombra e do
mistério?
Em que pais de lenda e
nevoeiro,
Ele te espera,
Escondendo, no peito
aventureiro,
Teu retrato de sol e
primavera?
«o noite imensa,
a luz do meu olhar e luz do
dia…
e em relevos esculpe a névoa
densa,
que me arrepia…
o mar, em negras ndas de
amargura,
os arvoredos…
udo o que me seduz, e que
procura
rodear-me de espantos e de
medos!
Eu sou a vida
E a luz de tudo.
Fora de mim, há a sombra
indefinida,
O espectro mudo…
A confusão das nuvens, bruto
mármore
Que eu tomo, em minhas mãos
extasiadas,
E ei-lo donzela e rosa e
ronco de arvore,
A musica das formas
animadas…
Figuras imortais do meu
desgosto…
Sobre elas choro, com pesar
profundo,
Tal como deus chorou,
velando o rosto,
Sobre a beleza cósmica do
mundo…»
FERNANDO PESSOA
Foi um dos pioneiros do
movimento a que se chamou modernismo. Assinando as suas poesias com diversos
nomes (álvaro de campos, Alberto Caeiro, Ricardo reis), revelou uma
personalidade compelxa e um excepcional vigor intelectual. A sua imporancia na
literatura portuguesa dia a dia se tem afirmado como das mais evidentes de
todos os tempos.
MARINHA
Ditosos a quem acena
Um lenço de despedida!
São felizes: tem pena…
Eu sofro sem pena a vida.
Doo-me ate onde penso,
E a dor e já de pensar,
Orfao de um sonho suspenso
Pela maré a vazar…
E sobe ate mim, já farto
De improfícuas agonias,
No cais de onde nunca parto,
A maresia dos dias.
O ANDAIME
O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi so a vida mentida
D eum futuro imaginacao!
Aqui a beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anónimo e frio,
A vida vivida em vão.
A esperança que pouco
alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobe mais que a minha
esperança.
Rola mais que o meu desejo.
Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passa – verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.
Gastei tudo que não tinha
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
So no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.
Leve som das aguas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!
Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.
Som morto das aguas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não so as lembranças,
Mas ass mortas esperanças –
Mortas, porque hão-de
morrer.
Sou já o morto futuro.
So um sonho me liga a mim –
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser – muro
Do meu deserto jardim.
Ondas passadas, levai-me
Para o olvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.
Sol nulo dos dias vãos,
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao menos as mãos
A quem não entras na alma!
Que ao menos a mão, roçando
A mão que por ela passe,
Com externo calor brando
O frio da alma disfarce!
Senhor, já que a dor e nossa
E a fraqueza que ela tem,
Da-nos ao menos a forca
De a não mostrar a ninguém!
O sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
E e tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas
perto,
Quando passo sempre errante,
Es para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
Montes, e a paz que há
neles, pois são longe…
Paisagens, isto e, ninguém…
Tenho a alma feita para ser
de um monge
Mas não me sinto bem.
Se eu fosse outro, fora
outro. Assim
Aceito o que me dão,
Como quem espreita para um
jardim
Onde os outros estão.
Que outros? Não sei. Há no
sossego incerto
Uma pasz que não há,
E eu fito sem o ler o livro
aberto
Que nunca mo dirá…
Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.
O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexe-lo.
Não sei se sou feliz
Nem se desejo se-lo.
Trémulos vincos risonhos
Na agua adormecida.
Porque fiz eu dos sonhos
A minha única vida?
Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz,
cheia
De alegre e anónima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a
lida,
E canta como se tivesse
Mais razoes pra cantar que a
vida.
Ah, canta, canta sem razão!
O que para mim sente esta
pensando.
Derrama no meu coracao
A tua incerteza voz
ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre
inconsciência,
E a consciência disso! O
céu!
O campo! O cancao! A ciência
Pesa tanto e a vida e tão
breve!
Entrai por mim dentro!
Tornai
Minha alma a vossa sombra
leve!
Depois, levando-me, passai!
Pobre velha musica!
Não sei por que agrado,
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado.
Recordo outro ouvir-te.
Não sei se te ouvi
Nessa minha infância
Que me lembra de ti.
Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
E eu era tão feliz? Não sei:
Fui-o outrora agora.
Vem, noite antiquíssima e
idêntica,
Noite rainha nascida
destronada,
Noit eigual por dentro ao
silencio, noite
Com as estrelas lantejoulas
rápidas
No teu vestido franjado de
infinito.
Vem, vagamente,
Vem, levemente,
Vem sozinha, solene, com as
mãos caídas
Ao teu lado, vem
E traz os montes longiquos
para o pe das arvores próximas,
Funde num campo teu todos os
campos que vejo,
Faze da montanha um bloco so
do teu corpo,
Apaga-lhe todas as
diferenças que de longe vejo,
Todas as estradas que a
sobem,
Todas as varias arvores que
a fazem verde-escuro ao longe,
Todas as casas brancas e com
fumo entre as arvores,
E deixa so uma luz e outra
luz e mais outra,
Na distancia imprecisa e
vagamente perturbadora,
Na distancia subitamente
impossível de percorrer.
Nossa senhora
Das coisas impossíveis que
procuramos em vão,
Dos sonhos que vem ter
connosco ao crepúsculo, a janela,
Dos propósitos que nos
acariciam
Nos grandes terraços dos
hotéis cosmopolitas
Ao som europeu das musicas e
das vozes longe e perto,
E que doem por sabermos que
nunca os realizaremos…
Vem, e embala-nos,
Vem, e afaga-nos,
Beija-nos silenciosamente na
fronte,
Tao levemente na fronte que
não saibamos que nos beijam
Senão por uma diferença na
alma
E um vago soluço partindo
melodiosamente
Do antiquíssimo de nos
Onde tem raiz todas essas
arvores de maravilha
Cujos frutos são os sonhos
que afagamos e amamos
Porque os sabemos fora de
relacao com o que há na vida.
Vem soleníssima,
Soleníssima e cheia
De uma oculta vontade de
soluçar,
Talvez porque a alma e
grande e a vida pequena,
E todos os gestos não saem
do nosso corpo
E so alcançamos onde o nosso
braço chega,
E so vemos ate onde chega o
nosso olhar.
Vem, dolorosa,
Mater-dolorosa das angustias
dos tímidos,
Turris.eburnea das tristezas
dos desprezados,
Mão fresca sobre a testa em
febre dos humildes,
Sabor de agua sobre os
lábios secos dos cansados.
Vem, la do fundo
Do horizonte lívido;
Vem e arranca-me
Do solo de angustia e de
inutilidade
Onde vicejo.
Apanha-me do meu solo,
malmequer esquecido,
Folha a folha le em mim não
sei que sina
E desfolha-me para teu
agrado,
Para teu agrado silencioso e
fresco.
Uma folha de mim lança para
o norte,
Onde estão as cidades de
hoje que eu tanto amei;
Outra folha de mim lança
para o sul,
Onde estão os mares que os
navegadores abriram;
Outra folha minha atira ao
ocidente,
Onde arde ao rubro tudo o
que talvez seja o futuro,
Que eu sem conhecer adoro;
E a outra, as outras, o
resto de mim
Atira ao oriente,
Ao oriente donde vem tudo, o
dia e a fe,
Ao oriente pomposo e
fanático e quente,
Ao oriente excessivo que eu
nunca verei,
Ao oriente budista,
bramânico, sintoista,
Ao oriente que tudo o que
nos não temos,
Que tudo o que nos não
somos,
Ao oriente onde – quem sabe?
– Cristo talvez ainda hoje viva,
Onde deus talvez exista
realmente mandando tudo…
Vem sobre os mares,
Sobre os mares maiores,
Sobre os mares sem
horizontes precisos,
Vem e passa a mão pelo dorso
de fera,
E acalma-o misteriosamente,
O domadora hipnótica das
coisas que se agitam muito!
Vem, cuidadosa,
Vem, maternal,
Pe ante pe enfermeira
antiquíssima, que te sentaste
A cabeceira dos deuses das
fés já perdidas,
E que viste nascer jeová e
júpiter,
E sorriste porque tudo te e
falso e inútil.
Vem, noite sileciosa e
extática,
Vem envolver na noite manto
branco
O meu coracao…
Serenamente como uma brisa
na tarde leve,
Tranquilamente como um gesto
materno afagando,
Com as estrelas luzindo nas
tuas mãos
E a lua mascara misteriosa
sobre a tua face.
Todos os sons soam de outra
maneira
Quando tu vens.
Quando tu entras baixam
todas as vozes,
Ninguém te ve entrar.
Ninguém sabe quando tu
entraste,
Senão de repente, vendo que
tudo se recolhe,
Que tudo perde as arestas e
as cores,
E que no alto céu ainda
claramente azul
Já crescente nítido, ou
circulo branco, ou mera luz nova que vem,
A lua começa a ser real.
Não so vinho, mas nele o
olvido, deito
Na taça: serei ledo, porque
a dita
E ignora. Quem, lembrando
Ou prevendo, sorrira?
Dos brutos, não a vida,
senão a lma,
Consigamos, pensando;
recolhidos
No impalpável destino
Que não espera nem lembra.
Com mão mortal elevo a
mortal boca
Em frágil taça o passageiro
vinho,
Baços os olhos feitos
Para deixar de ver.
Não so quem nos odeia ou nos
inveja
Nos limita e oprime; quem
nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que,
despido
De afectos, tenha a fria
liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo;
quem quer nada
E livre; quem não tem, e não
deseja,
Homem, e igual aos deuses.
D. FERNANDO INFANTE DE
PORTUGAL
Deu-me deus o seu gladio,
por que eu faca
A sua santa guerra.
Sagrou-me seu em honra e em
desgraça,
As horas em que um frio
vento passa
Por sobre a fria terra.
Pos-me as mãos sobre os
ombros e doirou-me
A fronte com o olhar;
E esta febre de alem, que me
consome,
E este querer grandeza são
seu nome
Dentro em mim a vibrar.
E eu vou, e a luz do gladio
erguido da
Em minha face calma.
Cheio de deus, não temo o
que vira,
Pois, venha o que vier,
nunca será
Maior do que a minha alma.
MARIO DE SA-CARNEIRO
Os seus versos, sem inovacao
quanto a forma, trazem a literatura portuguesa uma riqueza de imagens e uma
novidade de expressão reveladoras duma das mais fortes personalidades da nossa
poesia. O seu drama e o drama do inadaptado total, do exasperado de sensacoes a
que se reduzia a angustia dum horizonte vazio.
Entre os poetas modernos,
não podemos deixar de o considerar um dos maiores.
QUASE
Um pouco mais de sol – eu
era brasa,
Um pouco mais de azul – eu
era alem.
Para atingir, faltou-me um
golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse
aquém…
Assombro ou paz? Em vão…
tudo esvaído
Num baixo mar enganador de
espuma;
E o grande sonho despertado
em bruma,
O grnade sonho – o dor –
quase vivido…
Quase o amor, quase o
triunfo e a chama,
Quase o principio e o fim –
quase a expansão…
Mas na minha alma tudo se
derrama…
Entanto nada foi so ilusão!
De tudo houve um começo… e
tudo errou…
-ai a dor de ser-quase, dor
sem fim… -
eu falhei-me entre os mais,
falhei em mim,
asa que se elancou mas não
voou…
momentos de alma que
desbaratei…
templos aonda nunca pus um
altar…
rios que perdi sem os levar
ao mar…
ânsias que foram mas que não
fixei…
se me vagueio, encontro so
indícios…
ogivas para o sol – vejo-as
cerradas;
e mãos do herói, sem fe,
acobardadas,
puseram grades sobre os
precipícios…
num ímpeto difuso de
quebranto,
tudo encetei e nada possui…
hoje, de mim, so resta o
desencanto
das coisas que beijei mas
não vivi…
um pouco mais de sol – e
fora brasa,
um pouco mais de azul – e
fora alem.
Para atingir, faltou-me um
golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse
aquém…
ELEGIA
Minha presença de cetim,
Toda bordada a cor-de-rosa,
Que foste sempre um adeus em
mim
Por uma tarde silenciosa…
O dedos longos que toquei,
Mas se os toquei,
desapareceram…
O minhas bocas que esperei,
E nunca mais se me
estenderam…
Meus bulevares de Europa e
beijos
Onde fui so um espectador…
- que sono lasso, o meu
amor;
- que poeira de oiro, os
meus desejos…
há mãos pendidas de amuradas
no meu anseio a divagar…
em mim findou todo o luar
da lua dum conto de fadas…
eu fui alguém que se enganou
e achou mais belo ter
errado.
Mantenho o trono mascarado
Aonde me sagrei pierrot.
Minhas tristezas de cristal,
Meus débeis arrependimentos
São hoje os velhos
paramentos
Duma pesada catedral.
Pobres eleios de carmim
Que reservara pra algum dia…
A sombra loira, fugidia,
Jamais se abeirara de mim…
- o minhas cartas nunca
escritas,
e os meus retratos que
rasguei…
as oracoes que não rezei…
madeixas falsas, flores e
fitas…
o petit-bleu que não chegou…
as horas vagas do jardim…
o anel de beijos e marfim
que os seus dedos nunca
anelou…
convalescença afectuosa
num hospital branco de paz…
a dor magoada e duvidosa
dum outro tempo mais lilás…
um braço que nos acalenta…
livros de cor a cabeceira…
minha ternura friorenta –
ter amas pela vida inteira…
o grande hotel universal
dos meus frenéticos enganos,
com aquecimento central,
scrocs, cocottes, tziganos…
o meus cafés de grande vida
com dançarinas multicolores…
- ai, não são mais as minhas dores
que a sua dança
interrompida…
O RESGATE
A ultima ilusão foi partir
os espelhos –
E nas salas ducais, os
frisos de esculturas
Desfizeram-se em po… todas
as bordaduras
Caíram de repente aos
reposteiros velhos.
Rasgavam-se cetins,
abatiam-se escudos;
Estalavam de cor os grifos
dos ornatos.
Pelas molduras de honra, os
lendários retratos
Sumiam-se de medo, a roçagar
veludos…
Doido! Trazer ali os meus
desdéns crispados!...
Tectos e frescos, pouco a
pouco enegreciam;
Panos de arras do que
não-fui emurcheciam –
Velavam-se brasões,
subitamente errados…
Então, eu mesmo fui trancar
todas as portas;
Fechei-me a bronze eterno em
meus salões ruídos…
- se arranho o meu despeito
entre vidros partidos,
estilizei em mim as
doiraduras mortas!
Esta inconstância de mim
próprio em bibracao
E que me há-de transpor as
zonas intermédias,
E seguirei entre cristais de
inquietacao,
A retinir, a ondular… soltas
as rédeas,
Meus sonhos, leões de fogo e
pasmo domados a tirar
A torre de oiro que era o
carro da minha alma,
Transviarão pelo deserto,
moribundos de luar –
E eu so me lembrarei num
baloiçar de palma…
Nos oásis depois hão-de se
abismar gumes,
A atmosfera há-de ser outra,
noutros planos;
As rãs hão-de coxar-me em
roucos tons humanos
Vomitando a minha carne que
comeram entre estrumes…
Há sempre um grande arco ao
fundo dos meus olhos…
A cada passo a minha alm,a e
outra cruz,
E o meu coracao gira: e uma
roda de cores…
Não sei aonda vou, nem vejo
o que persigo…
Resvalo em pontes de
gelatina e de bolores…
- hoje a luz para mim e
sempre meia-luz…
as mesas do café
endoideceram feitas ar…
caiu-me agora um braço… olha
la vai ele a valsar,
vestido de casaca, nos
saloes do vice-rei…
(subo por mim acima como por
uma escada de corda,
e a minha ânsia e um
trapézio escangalhado…)
O LORD
Lord que eu fui de escocias
doutra vida
Hoej arrasta por esta a sua
decadência,
Sem brilho e equipagens.
Milord reduzido a viver de
imagens,
Paraa s montras de jóias de
opulência
Num desejo brumoso – em
duvida iludida…
( - por isso a minha raiva
mal contida,
- por isso a minha eterna
impaciência.)
olha as praças, rodeia-as…
quem sabe se ele outrora
teve praças, como esta, e
palácios e colunas –
longas terras, quintas
cheias,
iates pelo mar fora,
montanhas e lagos, florestas
e dunas…
( - por isso a sensacao em
mim fincada há tanto
dum grande património
algures haver perdido;
por isso o meu desejo astral
de luxo desmedido –
e a cor na minha obra o que
ficou do encanto…)
FIM
Quando eu morrer batam em
latas,
Rompam aos saltos e aos
pinotes,
Façam estalar no ar
chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão va sobre um
burro
Ajaezado a andaluza…
A um morto nada se recusa,
E eu quero por forca ir de
burro!
FLORBELA ESPANCA
Elevando a uma superior
expressão poética a paixão sensual e a confissão feminina, por vezes
desesperada e trágica, os seus sonetos podem figurar entre os mais sentidos e
belos da nossa poesia.
HORAS RUBRAS
Horas profundas, elntas e
caladas,
Feitas de beijos sensuais e
ardentes,
De noites de volúpia, noites
quentes
Onde há risos de virgens
desmaiadas…
Ouço as olaias rindo
desgrenhadas…
Tombam astros em fogo,
astros demeentes,
E do luar os beijos
languescentes
São pedaços de prata pelas
estradas…
Os meus lábios são brancos
como lagos…
Os meus braços são leves
como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas
puras…
Sou chama e neve branca e
misteriosa…
E sou, talvez, na noite
voluptuosa,
O meu poeta, o beijo que
procuras!
FANATISMO
Minha alma, de sonhar-te,
anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te
ver!
Não es sequer raao do meu
viver,
Pois que tu es já toda a
minha vida!
Não vejo nada assim
enlouquecida…
Passo no mundo, meu amor, a
ler
No misterioso livro do teu
ser
A mesma historia tantas
vezes lida!
«tudo no mundo e frágil,
tudo passa…»
quando me dizem isto, toda a
graça
duma boca divina fala em
mim!
E, olhos postos em ti, digo
de rastros:
«ah! Podem voar mundos,
morrer astros,
que tu es como deus:
principio e fim!...»
SONHO VAGO
Um sonho alado que nasceu um
instante,
Erguido ao alto em horas de
demência…
Gotas de agua que tombam em
cadencia
Na minha alma tristíssima,
distante…
Onde esta ele, o desejado? O
infante?
O que há-de vir e amar-me em
doida ardência?
O das horas de magoa e
penitencia?
O príncipe encantado? O
eleito? O amante?
E neste sonho eu já nem sei
quem sou…
O brando marulhar dum longo
beijo
Que não chegou a dar-se e
que passou…
Um fogo-fatuo rutilo,
talvez…
E eu ando a procurar-te e já
te vejo!...
E tu já me encontraste e não
me vês!...
AMAR!
Eu quero amar, amar
perdidamente!
Amar so por amar: aqui…
alem…
Mais este e aquele, o outro
e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar
ninguém!
Recordar? Esquecer?
Indiferente!...
Prender ou desprender? E
mal? E bem?
Quem disser que se pode amar
alguém
Durante a vida inteira e
porque mente!
Há uma primavera em cada
vida:
E preciso canta-la assim
florida,
Pois se deus nos deu voz foi
pra cantar!
E se um dia hei-de ser po,
cinza e nada
Que seja a minha noite uma
alvorada,
Que me saiba perder… pra me
encontrar…
SUPREMO ENLEIO
Quanta mulher no teu
passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas
que me importa?
Se delas veio o sonho que
conforta,
A sua vinda foi três vezes
santa!
Erva do chão que a mão de
deus levanta,
Folhas murchas de rojo a tua
porta…
Quando eu for uma pobre
coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta!
Quanta!
Mas eu sou a manha: apago
estrelas!
Hás-de ver-me,. Beijar-me em
todas elas,
Mesmo na boca da que for
mais linda!
E quando a derradeira,
enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de
mulher
Será o meu que hás-de
encontrar ainda…
SONETO
Meu amor, meu amado, ve…
repara:
Poisa os teus lindos olhos
de oiro em mim,
- ods meus beijos de amor
deus fez-me avara
para nunca os contares ate
ao fim.
Meus olhos tem tons de pedra
rara
- e so para teu bem que os
tenho assim –
e as minhas mãos são fontes
de agua clara
a cantar sobre a sede dum
jardim.
Sou triste como a folha ao
abandono
Num parque solitário, pelo
Outono,
Sobre um lago onde vogam
nenúfares…
Deus fez-me atravessar o teu
caminho…
- que contas das a deus indo
sozinho,
passando junto a mim, sem me
encontrares? –
FIM